26 julho 2014

Lukasa

Lukasa de finais do séc. XIX ou princípios do séc. XX (Foto: Brooklyn Museum, Nova Iorque, Estados Unidos da América)

Lukasa é o nome de um objeto semelhante a uma tábua de madeira que surgiu no antigo Reino Luba, na atual República Democrática do Congo (Congo-Kinshasa), e que é destinado ao registo de factos e de acontecimentos relacionados com o Reino Luba: a sua história, o seu sistema político, as suas divisões administrativas, as dinastias dos seus reis, as suas migrações, os feitos dos seus heróis Mbidi Kiluwe e seu filho Kalala Ilunga, etc. A informação é registada através de missangas, conchas, incisões, relevos, etc.

Estas tábuas são criadas e utilizadas pelos membros de uma poderosa sociedade que surgiu no Reino Luba no séc. XVIII, os bambudye, os quais têm como tarefa a preservação e interpretação do sistema de governo e da história luba. A decifração é feita segurando uma lukasa com a mão esquerda, enquanto o dedo indicador da mão direita vai percorrendo os símbolos que estão na tábua de acordo com a narrativa nela inscrita. Na interpretação destes símbolos, é tão importante cada um deles por si só, como a sua disposição na tábua e a sua relação com os restantes símbolos. Podemos talvez dizer que estamos em presença de uma forma muito peculiar de escrita e que estas tábuas são mais do que simples auxiliares de memória. Não há duas tábuas lukasa iguais.

Uma lukasa de um tipo menos comum, do séc. XIX (Foto: The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Estados Unidos da América)

23 julho 2014

Feliz aniversário, Maria João Pires


Noturno em si bemol menor, op. 9 nº 1, de Chopin (1810-1849), pela pianista Maria João Pires, que hoje completa 70 anos de idade

17 julho 2014

O céu e a Terra

1ª classificada do 2014 International Earth & Sky Photo Contest e da categoria Against the Lights (Foto: Giorgia Hofer)


1ª classificada da categoria Beauty of The Night Sky (Foto: Luc Perrot)


No passado dia 18 de junho, foram reveladas as fotografias vencedoras do 5º Concurso Internacional de Fotografia da Terra e do Céu 2013-14, uma organização do programa internacional The World at Night que tem por finalidade criar e divulgar fotografias panorâmicas e vídeos em time-lapse dos mais belos e históricos locais da Terra, que tenham como pano de fundo o céu noturno estrelado.

Este concurso pretende chamar a atenção do público para a importância da preservação das noites escuras e para a necessidade do controle da chamada poluição luminosa, que limita gravemente a nossa possibilidade de observar o céu noturno em toda a sua plenitude.

Participaram neste concurso mais de 1000 fotografias, provenientes de 55 países e territórios. As fotografias vencedoras foram distribuídas por duas categorias distintas: A Beleza do Céu Noturno e Em Contraluz.

Muitas das fotografias submetidas a concurso acabaram por ser recusadas porque estavam exageradamente processadas, com demasiada saturação de cor, contraste excessivo, contornos grosseiramente realçados, etc. Este excessivo processamento afetou negativamente o aspeto natural de tais imagens, por muito bonito que fosse o resultado, o que levou o júri a rejeitá-las.

As fotografias vencedoras do concurso, assim como as menções honrosas, podem ser admiradas no seguinte vídeo.





A fotografia que se vê no vídeo aos 21 segundos, e que reproduzo mais acima, mostra, obliquamente sobre o cume de uma montanha, as luzes e as sombras das estrelas e nuvens de poeiras que constituem a nossa própria galáxia, a Via Láctea.

Aos 45 segundos, veem-se as "cortinas" de uma aurora boreal, que neste caso são verdes.

Ao primeiro minuto, acima das pessoas, ergue-se quase na vertical a Via Láctea, de novo.

 13 segundos mais tarde, é percetível o movimento de rotação da Terra, através dos rastos, em arco de circunferência, feitos pelas estrelas. Esta fotografia foi feita com o sensor de imagem ativado durante bastante tempo. No mar, na zona de rebentação das ondas, é visível a luminosidade azul esverdeada causada por bioluminescência, um fenómeno de fosforescência de origem biológica que pode ser observado à noite nas nossas praias.

Seguem-se mais umas quantas fotografias belíssimas até que, aos 3 minutos e 10 segundos, se vê a Via Láctea fazendo um arco. Ora a Via Láctea estende-se pelo céu em linha reta, entre o ponto cardeal este e o ponto cardeal oeste, aproximadamente, e não em arco. Estamos, neste caso, em presença de uma fotografia feita com uma objetiva de grande angular.

 Aos 3 minutos e 18 segundos, à direita da imagem, veem-se muitos raios caindo de uma nuvem de trovoada para o mar. Esta fotografia foi também feita com um grande tempo de ativação do sensor de imagem da câmara, de maneira a que muitos raios acabassem por ficar registados nele. O resultado é magnífico.

Aos 5 minutos e 26 segundos, é claramente visível à direita da imagem a constelação da Ursa Maior. A estrela mais brilhante que se vê entre o centro da imagem, mais ou menos, e a borda superior é a Estrela Polar.

Aos 5 minutos e 50 segundos, acima da árvore, vê-se, claramente vista, a constelação de Orion. Mais para a esquerda, também claramente vista, está a estrela Sirius, que é a estrela mais brilhante do firmamento a seguir ao Sol.

Aos 7 minutos e 4 segundos, surge à esquerda uma estrela cadente (um meteorito) bem brilhante.

 O risco quase horizontal que se vê no vídeo aos 7 minutos e 13 segundos é talvez a Estação Espacial Internacional iluminada pelo Sol. Este está prestes a nascer no local onde a fotografia foi feita. Encontrando-se mais acima, a ISS (do nome em inglês International Space Station), já está ao sol.

 Aos 7 minutos e 25 segundos, o movimento de rotação da Terra é por demais evidente. Durante o longo tempo em que "o diafragma" esteve "aberto" (isto é, foi fornecida corrente elétrica ao sensor de imagem), as estrelas giraram em torno da Estrela Polar, que se manteve praticamente imóvel no centro.

 O traço luminoso que se vê aos 7 minutos e 30 segundos deve ser a lua. O "diafragma" da câmara também esteve "aberto" durante muito tempo.

Aos 8 minutos e 25 segundos, à esquerda da Via Láctea, observa-se a nebulosa mais famosa do hemisfério sul: a Nuvem de Magalhães.

Não sei a que se deve a circunferência luminosa que se vê aos 8 minutos e 35 segundos. Será fogo de artifício (fogo preso)?

Os traços que se observam aos 8 minutos e 40 segundos devem ser rastos de aviões. As luzes dos aviões a piscar, à medida que estes iam avançando pelo ar, deixaram traços interrompidos registados no sensor da câmara.

11 julho 2014

A escrita do sudoeste

A chamada Estela de Abóboda I, encontrada na Necrópole de Abóboda, Almodôvar (Foto: Ana Margarida Arruda)


No sudoeste da Península Ibérica, mormente no sul do Alentejo, no Algarve, na Estremadura Espanhola e na Andaluzia, surgiu por volta do séc. VII ou VI A.C. uma forma de escrita original, a que foi dado o nome de escrita do sudoeste, escrita tartéssica ou escrita sudlusitana. Até hoje foram encontradas 75 estelas que contêm inscrições feitas nessa escrita, cujos carateres fazem lembrar os carateres fenícios.

Apesar do intenso estudo a que a escrita do sudoeste tem sido sujeita ao longo dos anos, não foi possível ainda decifrá-la. Apenas se tem vindo a conseguir identificar os seus carateres e a forma como se relacionam entre si, tendo também sido propostas correspondências dos carateres e grupos de carateres com possíveis pronúncias.

O idioma expresso através da escrita do sudoeste,  habitualmente chamado tartéssico, permanece desconhecido. Não foi encontrada até hoje alguma estela que apresente um texto gravado na escrita do sudoeste juntamente com a respetiva tradução para uma ou mais línguas conhecidas, como aconteceu com a chamada pedra de Roseta, que permitiu decifrar os hieróglifos egípcios. Nem sequer se sabe a que família linguística o idioma da escrita do sudoeste pertenceu. Há quem sugira que era uma língua indo-europeia, como o grego, e não semita, como o fenício, mas não há certeza nenhuma. O mistério continua.

O artigo sobre a escrita do sudoeste que está na Wikipedia é muito confuso e pouco ou nada esclarecedor. Mais claro é um portal que existe dedicado ao assunto, chamado Portal da Escrita do Sudoeste, que é da autoria de Francisco Napoleão. Também se pode acompanhar a evolução dos trabalhos arqueológicos, direta ou indiretamente associados às estelas da escrita do sudoeste, no blogue Projecto Estela.

(Em 21 de julho de 2015) Recebi um email de Luis Guita, a quem muito agradeço, uma chamada de atenção para um artigo por si escrito e publicado no jornal Luxemburger Wort, sobre o Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar. O artigo, cuja leitura recomendo, encontra-se no endereço http://www.wort.lu/pt/cultura/escrita-do-sudoeste-tesouros-e-misterios-milenares-que-almodovar-guarda-55a7793a0c88b46a8ce5cbe7. O site do museu está em http://www.cm-almodovar.pt/mesa/.

04 julho 2014

Música do interior de Angola


Grupo Katyavala, do Bailundo, província do Huambo

Tsikaya, Músicos do Interior, é o nome de um projeto lançado pelo músico angolano Victor Gama, que visa promover a música que se faz nas regiões rurais de Angola. Tentando quebrar o esquecimento a que os músicos que vivem no interior do país estão sujeitos, o projeto Tsikaya pretende dá-los a conhecer ao mundo, seja através da Internet, seja através da edição de discos. Estes músicos tanto podem fazer música tradicional, como música da sua própria autoria.

Na conta que Victor Gama mantém no Vimeo, encontram-se os vídeos que aqui partilho com todo o gosto, mas no portal do próprio projeto podem ver-se e ouvir-se muitas outras gravações em vídeo e áudio ou só em áudio, assim como fotografias dos músicos e dos seus instrumentos. Algumas das gravações existentes no portal são autênticas preciosidades, nomeadamente gravações históricas feitas entre os anos 40 e 70 do século passado por Ulrich Martini e a Diamang (Companhia dos Diamantes de Angola, do tempo colonial). Aconselho vivamente a que se faça uma visita ao portal e se ouça a muita e boa música que ele contém. O seu endereço é http://www.tsikaya.org/.


Carlos África, compositor e intérprete, já falecido, do Huambo


Duo Alimba Okimbo, do Huambo


Grupo Agostinho Neto, de Belém do Huambo


David Ndumbo, da Chibia, província da Huíla. O instrumento que David Ndumbo toca é chamado tsikaya e deu o nome ao projeto


Duo Ovana Voinaimwe, de Xangongo, província do Cunene

02 julho 2014

Poema

A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita

Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará

Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento

A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto

Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento

E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada

Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004)

Sophia de Mello Breyner Andresen (Foto de autor desconhecido)