25 novembro 2024

Do Egito para a Grécia


O faraó do Egito Tutankhamon, num carro puxado por dois cavalos, derrota um exército apeado do reino núbio de Kush. Caixa de madeira de há cerca de 3300 anos, encontrada no túmulo de Tutankhamon. Museu do Egito, Cairo
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Há quem veja influências egípcias neste vaso funerário grego de terracota de há cerca de 2750 anos, durante o período homérico. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Estados Unidos da América
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Nos seus primórdios, a arte começou por se desenvolver de forma independente na Grécia e no Egito, em consequência da separação geográfica entre os dois territórios imposta pelo Mar Mediterrâneo.

Como viviam dispersos por numerosas ilhas, além do facto de a própria Grécia continental ter uma costa extremamente recortada, os gregos foram compelidos pela geografia a tornar-se exímios navegadores. Logo eles chegaram às costas do Egito e descobriram aí uma brilhante civilização.

Em resultado dos contactos que passaram a estabelecer com o Egito, os navegadores gregos trouxeram de volta as novas ideias, conceitos estéticos e gostos que tinham encontrado em terras egípcias. Deu-se então uma influência da arte egípcia na arte grega, que é já detetável nas manifestações artísticas da civilização minóica, na ilha de Creta, primeiro, e da civilização micénica, na restante Grécia, depois. É por conseguinte possível encontrar influências egípcias nas pinturas e nas cerâmicas gregas de há mais de 3000 anos.

No meio, o faraó Menkaure (c. 2490 A.C. – 2472 A.C.), a quem os gregos chamaram Mykerinos. Alto-relevo em ardósia de artista desconhecido. Museu do Egito, Cairo
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Um kouros (jovem do sexo masculino), c. 590 A.C. – 580 A.C., escultura de mármore de autor desconhecido. Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque, Estados Unidos
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Foi talvez no domínio da escultura que a influência egípcia mais se fez sentir na arte da antiga Grécia, a começar pela própria capacidade de trabalhar a pedra, que os gregos ainda não dominavam ou dominavam mal.

De entre as esculturas de pedra que mais se distinguiram na Grécia durante o período arcaico, avultam as estátuas chamadas kouroi, plural de kouros. Um kouros é uma estátua que representa um jovem do sexo masculino numa pose bastante hirta e artificial, procurando reproduzir a pose que pode ser vista em muitas esculturas egípcias que representam faraós, sacerdotes, escribas e outros altos funcionários, ou então deuses, como Hórus.

Na pose em questão, a estátua apresenta-se de pé, com ar confiante e altivo, quase desafiante, os braços estendidos ao longo do corpo, punhos fechados, o pé esquerdo adiantado em relação ao pé direito (sempre o pé esquerdo adiantado e não o outro pé) e ombros largos. Estas são algumas das principais características comuns aos kouroi dos gregos e às representações escultóricas egípcias. As diferenças, que acabam por ser praticamente secundárias, devem-se às próprias diferenças de cultura, de costumes, de religião e outras, que inevitavelmente existiam entre gregos e egípcios.


Cópia romana de mármore do Discóbolo, do escultor grego Myron, c. 460 A.C. – 450 A.C. O original, que era de bronze, desapareceu há muito, só ficando várias cópias romanas, como esta. Museu Nacional Romano Palazzo Massimo alle Terme, Roma, Itália
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Com o passar do tempo, os escultores gregos foram aperfeiçoando a sua técnica e passaram a criar obras cada vez menos artificiais. Acabaram por conferir às suas esculturas uma graciosidade, uma harmonia e uma perfeição verdadeiramente inultrapassáveis. O Discóbolo, de Myron, por exemplo, foi uma das obras que marcaram o início do período clássico da Grécia Antiga e é cabalmente demonstrativo do que era uma obra de arte da Antiguidade Clássica.

18 novembro 2024

Uma bailarina de peso


Participação em The Muppet Show do bailarino Rudolf Nureyev (1938–1993), nascido na União Soviética, de pai e mãe tártaros


Até aqui, foi uma brincadeira. Agora a sério.



Pas de deux do bailado O Lago dos Cisnes, do compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovsky (1840–1893), por Rudolf Nureyev (1938–1993) e a bailarina inglesa Margot Fonteyn (1919–1991)

15 novembro 2024

Maternidade


Escultura de madeira pintada, com perto de meio metro de altura, feita por um artista anónimo pertencente à etnia dos Bambala, que habita numa região a leste de Kinshasa, na atual República Democrática do Congo. Séc. XIX? American Museum of Natural History, Nova Iorque, Estados Unidos da América
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13 novembro 2024

O jazz "desafinado" de Thelonious Monk


Straight No Chaser, de Thelonious Monk (1917–1982), por Thelonious Monk no piano, Sahib Shihab no saxofone alto, Milt Jackson no vibrafone, Al McKibbon no contrabaixo e Art Blakey na bateria. Gravado em Nova Iorque a 23 de julho de 1951


Quando se conhece Monk tudo na sua música soa a estranho, a novo, a desafinado, a fora de tempo. O próprio swing parece estar ausente. Nada é imediato nas artes de Monk. As dissonâncias, os tempos atrasados, distorcidos, as harmonias rebuscadas, as melodias filhas desta anti-ordem toda, tudo isto é o mundo onde se tem de viver com Monk. Passada que esteja a porta, tudo lá dentro soa bem e admirável.

Esta é a versão primeira de um dos temas mais aplaudidos da sua vasta e riquíssima herança musical. Art Blakey, sempre ele, impõe um tempo vertical, meio desequilibrado para a frente, como é ideal para Monk e Monk expõe o assunto, repetido a seguir pelos outros. Monk sola com escassez de notas, simples e difícil, como Basie ou Ellington. Sahib Shihab e Milt Jackson dão a sua opinião, um bem e o seguinte melhor e tudo, à maneira clássica, com o recado do tema repetido. É uma das primeiras lições do curso secundário de jazz.



José Duarte (1938–2023)

10 novembro 2024

Jorge Barradas


Lavadeira, 1920, pastel sobre papel de Jorge Barradas (18941971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
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Capa para a Revista "ABC", 1921, guache sobre papel de Jorge Barradas (1894–1971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
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Caricatura, 1911, tinta-da-china sobre papel de Jorge Barradas (1894–1971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa
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Desenho de Jorge Barradas (1894–1971), publicado na revista "Contemporânea", specimen, de 1915, ilustrando um artigo de Justino de Montalvão sobre Paris. Enquanto a I Guerra Mundial fazia incontáveis vítimas, em Paris a burguesia teimava em prosseguir uma vida boémia, apesar das duras restrições que a situação de guerra lhe impunha
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Capa para a Revista "ABC", 1927, guache e grafite sobre cartão de Jorge Barradas (1894–1971). Centro de Arte Moderna Gulbenkian, Lisboa

Alegoria à Pintura e à Escultura, 1954, painel cerâmico em relevo de Jorge Barradas (1894–1971). Museu Nacional do Azulejo, Lisboa
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Nascido em Lisboa em 1894, Jorge Barradas foi um artista plástico modernista português, cuja atividade se espraiou pelo desenho, pintura, caricatura, etc. A partir da década de 1940, Jorge Barradas passou a dedicar-se à cerâmica, com produções de grande qualidade artística.

Jorge Barradas frequentou a Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, mas não concluiu o curso. Podemos dizer que ele foi, de certo modo, um autodidata, que foi aprendendo no convívio que teve com outros artistas, como Almada Negreiros, Cristiano Cruz, José Pacheko, Stuart Carvalhais etc. Faleceu em 1971, também na cidade de Lisboa.

Nas primeiras décadas da sua vida artística, Jorge Barradas foi um frequentador assíduo da noite lisboeta, que documentou com um traço influenciado pelo estilo Art Déco. Colaborou em inúmeras publicações, com particular destaque para uma revista chamada "ABC", para a qual criou capas inesquecíveis ao longo da década de 1920.

Podemos dizer que ninguém mais do que ele, em Portugal, conseguiu retratar com tanta fidelidade a década que ficou conhecida como "Os Loucos Anos 20", em que mulheres de saias curtas e penteado à garçonne dançavam o charleston nos clubes noturnos da capital portuguesa.

Yes Sir, That's My Baby, um charleston de Coon-Sanders Nighthawk Orchestra, 1925. Aos 32 segundos, surge no vídeo uma capa da revista "ABC", que não é de Jorge Barradas, mas sim de Emmerico Nunes (1888–1968), e que mais não é do que publicidade ao Bristol Club Dancing, um clube noturno que existia na Baixa lisboeta

06 novembro 2024

A serpente


Covas do Rio, aldeia na Serra de Arada ou de São Macário, São Pedro do Sul (Foto: José António Baltazar Aurélio)
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Pena, aldeia na Serra de Arada ou de São Macário, São Pedro do Sul. Fotografia feita a partir da estrada de acesso, que é muito íngreme e perigosa (Foto: Inês Sequeira)
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Dizem os antigos que nos montes de Covas do Rio havia uma serpente muito, muito grande, que ia beber ao Rio de Bronhedo, onde nessa altura habitava gente. Como a serpente era descomunal as pessoas não se podiam defender dela, que ia comendo quem apanhava mais perto, quando lhe dava fome.

As pessoas tiveram tanto medo que fugiram, mas como gostavam tanto de morar ali, e o lugar é deveras bonito, iam dizendo:

— Que pena, que pena termos de sair daqui!

E foram construir as suas casas numa aldeia, no fundo de um vale de difícil acesso, onde a serpente não lhes conseguisse chegar com facilidade. Diz-se que, por isso, chamaram Pena ao lugar para onde fugiram. Mas alguns não quiseram ir para longe dali e ficaram em Covas do Rio, por isso tinham que levar, todos os dias, uma rês ao pé do rio, para a serpente não os comer a eles.

Certo dia, uma menina levava uma rês lá para o sítio onde a serpente ia beber; e ia a chorar com muito medo, quando encontrou um barbeiro, que andava a cortar as barbas de aldeia em aldeia. Então, o barbeiro perguntou-lhe porque é que ia a chorar e ela contou-lhe o que se estava a passar. O barbeiro disse-lhe que não chorasse mais, que ele havia de matar a serpente e quis saber por onde é que ela passava, quando ia beber ao rio. A menina mostrou-lhe o caminho e o barbeiro afiou bem muitas facas e colocou-as em jeito de escamas, de tal maneira que, nesse mesmo dia, quando a serpente desceu para ir beber ao rio, passou em cima das navalhas, mas não se cortou, só que quando voltou a subir, cortou se toda, o sangue corria pelo rio abaixo e ela morreu.

Ainda hoje lá se pode ver a cova da serpente e os restos das paredes das casas, que as pessoas tiveram de abandonar para salvarem as suas vidas.



Maria dos Anjos, lenda recolhida em Covas do Rio, concelho de São Pedro do Sul, por Isabel Pinho


Trecho do caminho que liga a aldeia da Pena à de Covas do Rio e a que chamam "caminho do morto que matou o vivo". Antes da abertura da estrada que liga a Pena ao alto de São Macário, este era o único caminho que estabelecia comunicação entre a Pena e o resto do mundo. Como na Pena não existia cemitério, os mortos eram levados ao longo deste caminho até Covas do Rio, para poderem ser enterrados. Numa ocasião em que era transportado um morto, o caixão resvalou e atingiu mortalmente um dos homens que o transportavam. Por isso se diz que o morto matou o vivo (Foto de autor desconhecido)
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04 novembro 2024

Prelúdio

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra desce com ela.

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos
nas suas mãos apertadas…

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
tem voz de noite descendo
de mansinho pela estrada.

… Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…

Mãe-Negra não sabe nada.
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo,
Mãe-Negra…

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão de voltar!…

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta, bem calada…

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo
de mansinho pela estrada…

Alda Lara (1930–1962), poetisa angolana


Estrada rural na província de Benguela, Angola (Foto: Samuel Sambaly)

02 novembro 2024

Concerto para violino nº 1 de Haydn


Concerto n.º 1 em dó maior para violino e orquestra de cordas, n.º VIIa:1 do catálogo Hoboken, do compositor austríaco Joseph Haydn (1732–1809). Interpretação a cargo da violinista alemã Sarah Christian e de uma orquestra de cordas constituída por músicos da Orquestra Sinfónica da Radiodifusão Bávara, sob a direção do maestro alemão Reinhard Goebel. Gravação realizada no Palácio de Nymphenburg, em Munique, Alemanha