28 maio 2010

A Onda


A Grande Onda ao Largo de Kanagawa, a mais famosa xilogravura de Katsushika Hokusai (1760-1849), é a primeira de uma série de 36 vistas do Monte Fuji criadas por aquele artista plástico japonês.

25 maio 2010

África no Sri Lanka


Rochedo Anamaduwa, Putalão, Sri Lanka (Foto: jaliya)


De todas as minorias étnicas existentes no Sri Lanka, a menos conhecida de todas é a dos descendentes dos africanos, que ao longo dos tempos foram levados à força para o país pelos colonizadores portugueses, holandeses e ingleses. Vivem predominantemente na região de Putalão (Puttalam), no oeste do país.

Os membros desta minoria atribuem-se a si próprios a designação de cafrinhas, diminutivo de cafres. Em inglês são chamados kaffirs, designação que eles também aceitam, apesar de na África Austral esta palavra ter um significado pejorativo.

O idioma que os cafrinhas falavam até há tempos era o crioulo indo-português do Sri Lanka, o mesmo idioma falado pelos seus compatriotas burgueses portugueses (descendentes dos portugueses, tamiles, cingaleses, malaios, etc.). Os cafrinhas praticamente já não falam indo-português, por troca com o tamil e o cingalês, que são as línguas dominantes na ilha.

Aconselho vivamente a que se veja a reportagem seguinte sobre os cafrinhas, apesar de ela ser falada e legendada em inglês. É uma excelente reportagem, cheia de humanidade, realizada por Kannan Arunasalam.




Existem contactos entre os cafrinhas e os burgueses portugueses, o que não admira, porque uns e outros são herdeiros de uma mesma tradição linguística. Apesar de agora estar à beira da extinção, o idioma indo-português foi a língua franca usada na ilha desde a chegada dos portugueses até meados do séc. XIX. Ainda que o indo-português venha a desaparecer completamente, muitas palavras de origem portuguesa continuarão mesmo assim a ser usadas quotidianamente no seio da língua cingalesa.

Um ritmo tipicamente africano, em que se baseia muita da música tradicional cafrinha, acabou por se popularizar em todo o país e também na Índia. Este ritmo é chamado baila (um nome de origem portuguesa, como se vê) e pode-se mesmo dizer que ele se tornou numa espécie de ritmo nacional do Sri Lanka, tão grande é a sua popularidade. Muitos dos maiores êxitos da música ligeira do Sri Lanka dos últimos 50 anos são baseados no ritmo baila.

23 maio 2010

Os burgueses portugueses do Sri Lanka



Forte português em Batecalou (Batticaloa), Sri Lanka (Foto: Amazing Lanka)

Burghers (burgueses) é a designação genérica usada no Sri Lanka para nomear os cidadãos de ascendência mista europeia (portuguesa, holandesa, inglesa, etc.) e oriental (cingalesa, tamil, malaia, etc.) que conservam costumes e tradições de origem europeia à mistura com costumes e tradições de origem local.

De entre os burgueses do Sri Lanka há a distinguir, sobretudo, duas comunidades:

-- Os burgueses holandeses, frutos da colonização holandesa e inglesa da ilha, que são protestantes presbiterianos, falam inglês, vivem sobretudo na capital do país, Colombo, e nos últimos 40 anos têm emigrado em massa, sobretudo para a Austrália;

-- Os burgueses portugueses, predominantemente resultantes da união entre portugueses e habitantes locais, que seguem a religião católica, falam (cada vez menos) um crioulo indo-português e vivem predominantemente na costa oriental da ilha, sobretudo nas cidades de Batecalou (Batticaloa) e Triquimalê (Trincomalee).

Muitos séculos antes da chegada dos portugueses à ilha de Ceilão, que hoje se chama Sri Lanka, esta já era conhecida dos europeus da Antiguidade sob o nome de Taprobana. É este o nome que Luís de Camões lhe chama logo no início de "Os Lusíadas".

A primeira armada portuguesa a aportar em Ceilão foi comandada por D. Lourenço de Almeida, a quem chamavam "Diabo Louro", que era um homem de enorme corpulência e era filho do vice-rei da Índia D. Francisco de Almeida. O desembarque ocorreu em 1505 ou 1506, nas proximidades de Galle, no sudoeste da ilha. Pouco depois, a mesma frota aportou numa baía mais a norte, onde fundou a cidade de Colombo, que é hoje a capital do país.

A presença portuguesa em Ceilão durou pouco mais de um século, no meio de guerras e de alianças com os reinos locais. Os portugueses praticamente nunca conseguiram dominar inteiramente Ceilão, tendo enfrentado uma dura resistência, sobretudo por parte do reino de Kandy, no centro da ilha, e tornaram-se também alvo de ataques dos holandeses a partir do início do séc. XVII. A ilha de Ceilão acabou por se tornar, toda ela, uma colónia holandesa. Em 1815, a ilha passou para a posse dos ingleses e em 1948 acabou por se tornar independente.

A presença portuguesa deixou profundas marcas no Sri Lanka e ainda hoje essas marcas são bem evidentes, apesar de essa presença já ter acabado há cerca de 350 anos! Por exemplo, existem milhares e milhares de cingaleses que possuem apelidos portugueses, tais como Silva, Pereira, Fonseca, Souza, etc. A maior parte das famílias que têm estes nomes não é burguesa e, provavelmente, não tem sequer qualquer ascendência portuguesa. Os seus nomes portugueses resultam da conversão ao cristianismo dos seus antepassados.

Os que são de facto descendentes de portugueses, que se uniram com mulheres tamiles e cingalesas (os então chamados casados), são os burgueses portugueses, como já referi. Vivem, como também já referi, predominantemente nas cidades costeiras de Batecalou e Trinquemale. Ora estas cidades ficam na costa oriental do país e foram muito severamente atingidas pelo terrível tsunami que varreu o Oceano Índico em 26 de Dezembro de 2004. Só em Batecalou, o tsunami matou 154 burgueses portugueses!

A organização humanitária portuguesa AMI (Assistência Médica Internacional) enviou equipas de emergência para a cidade, a fim de socorrer os sobreviventes, quer fossem burgueses ou não. Atualmente, a AMI continua a prestar apoio aos burgueses portugueses através de uma fundação que criou, a Fundação Portugal-Ceilão. Além do apoio humanitário, esta fundação faz a promoção social e cultural dos burgueses, que são, em geral, muito pobres.

Com efeito, os burgueses portugueses do Sri Lanka encontram-se entre os níveis mais baixos da escala social do país. Exercem predominantemente profissões de caráter manual, tais como pedreiros, sapateiros, carpinteiros, pintores da construção civil, etc. Ora, na sociedade de castas que prevalece no Sri Lanka, os trabalhos manuais são realizados pelas castas inferiores. Sendo também trabalhadores manuais, os burgueses portugueses estão ao mesmo nível que estas castas. No entanto, apesar da situação social pouco invejável em que se encontram, os burgueses portugueses são conhecidos no Sri Lanka por serem dotados de uma grande simpatia, espontaneidade e alegria de viver.

Os vídeos que se seguem mostram canções e danças tradicionais dos burgueses portugueses de Batecalou. A qualidade do som é péssima, mas não encontrei gravações melhores. A qualidade do som é tão má, que precisamos de fazer um grande esforço para perceber que as canções são interpretadas em idioma indo-português e não numa outra língua qualquer.








19 maio 2010

As Bem-aventuranças do aldeão


O Catecismo do Labrego, de Fr. Marcos da Portela -- pseudónimo do escritor galego Valentín Lamas Carvajal (1849-1906) --, é um dos livros mais populares da literatura galega. É um pequeno volume, que foi originalmente publicado em 1889 e que eu tive o prazer de ler há muitos anos, numa edição do tempo da República Espanhola.

Servindo-se de uma fórmula em tudo idêntica à dos catecismos católicos, Carvajal faz no seu peculiar "Catecismo" um retrato implacável e mordaz da sociedade galega do seu tempo. Transcrevo a seguir as Bem-aventuranças, tais como elas figuram no Projeto Gutenberg.



AS BENAVENTURANZAS SON OITO:

1.ª Benaventurados os probes, porque serán tratados como bestas d'arrieiro.

2.ª Benaventurados os mansos, porque tod'o mundo mallará n-eles.

3.ª Benaventurados os que choran, porque mamarán.

4.ª Benaventurados os que teñen fame e sede d'a xusticia, porque os fartarán de presidio.

5.ª Benaventurados os misericordiosos, porque os amolarán canto podian.

6.ª Benaventurados os limpos de corazon, porque tamen estarán limpos de faltriqueira.

7.ª Benaventurados os pacíficos, porque todos lles farán a guerra.

8.ª Benaventurados os que padecen persecucion pol-a xusticia, porque ademais de ir â cadea pagarán as costas.

_P._--¿Qué dixemos agora?

_R._---Oito verdades como oito pás centeos.

_P._--Quén son os probes?

_R._--Os coitados labregos que non saben o que é un dia de fartura.

_P._--¿Quén son os mansos?

_R._--Somos tamen nosoutros, porque nos amansan á fungueirazos.

_P._--¿Quén son os que choran?

_R._--Os que saben pidir a tempo e baixarse á todo o mundo pra lograr o que cobizan.

_P._--¿Onde mamarán?

_R._--N-a ubre d'o persupuesto.

_P._--¿Quén son os que teñen fame e sede de xusticia?

_R._--Os que non teñen padriño.

_P._--¿Quén son os misericordiosos?

_R._--Catro pipiolos, que non saben con quen aran.

_P._--¿Quén son os limpos de corazon?

_R._--Os que nunca foron nada, nin tiveron xeito d'emporcar as maus.

_P._--¿Quén son os pacífecos?

_R._--Os bois e nosoutros.

_P._--¿Quén son os que padecen persecucion pol-a xusticia?

_R._--Os que lle fan a contra ôs que mandan.

14 maio 2010

Miau

(Foto de autor desconhecido)

A peça musical que se segue chama-se Duetto buffo di due gatti e é geralmente atribuída ao compositor italiano Gioacchino Rossini (1792-1868). Mas na verdade não foi escrita por ele. Ou foi? Em rigor, foi um tal G. Berthold (que se julga ser um pseudónimo do compositor inglês Robert Lucas Pearsall) quem pegou em trechos da ópera Otello, de Rossini, juntou-os, acrescentou-lhes ainda um trecho composto pelo dinamarquês Christopher Ernst Friedrich Weyse e fez esta pequena obra, divertida e cheia de frescura. Conclusão: esta música é (quase toda) de Rossini, mas a peça (tal como está) não é dele. Escutemo-la.

Duetto buffo di due gatti, por dois sopranos do coro Les Petits Chanteurs à la Croix de Bois

11 maio 2010

Um duelo entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão


Praça 9 de Abril, vulgo Jardim da Arca d'Água, na cidade do Porto. Quando o duelo ocorreu neste local, em 4 de fevereiro de 1866, o jardim ainda não existia (Foto: Nuno Carvalho)

«(...) Em 1865, depois de uma viagem a São Miguel, Antero [de Quental] regressa a Coimbra. Em Setembro desse ano, [António Feliciano de] Castilho escreve ao editor António Maria Pereira uma carta, que será publicada como posfácio do Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas. Nela, o velho poeta discute poemas de Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro, ironizando particularmente sobre as Odes Modernas e sobre dois poemas de Epopeia da Humanidade, de Teófilo Braga. Antero resolve descer à liça e contestar ao seu velho mestre o direito de se arvorar em árbitro das letras nacionais - faz publicar uma carta-aberta a Castilho, Bom-senso e Bom-gosto, onde, exaltadamente, se insurge contra o desdém de Castilho relativamente à nova geração de poetas. E desencadeia-se a que é talvez a mais famosa polémica literária portuguesa, conhecida por Questão Coimbrã ou Questão do Bom Senso e Bom Gosto (...)

No início de 1866, Ramalho Ortigão sai em defesa de Castilho com o folheto A Literatura de Hoje. Acusa Antero de cobardia, pois este invocara como argumentos a velhice e a cegueira do poeta:  [Escreve Antero] O caso era cómico e não trágico. Ramalho Ortigão escreveu insolências bastante indignas a meu respeito num folheto a propósito da sempiterna questão Castilho. Eu vim ao Porto para lhe dar porrada. Encontrei, porém, o Camilo [Castelo Branco] o qual me disse que adivinhava o motivo da viagem e que antes das vias de facto, ele iria falar com o homem para ele dar satisfação. Aceitei. A explicação, porém, do dito homem pareceu-me insuficiente e dispunha-me a correr as eventualidades da bofetada quando me veio dizer o Camilo que o homem se louvava em C.J.Vieira e Antero Albano com plenos poderes de decidir a coisa e que fizesse eu o mesmo em dois amigos meus; na certeza de que uns e outros seriam considerados padrinhos de um duelo (!) no caso de se não entenderem a bem... Que can-can!

No duelo, em 4 de Fevereiro, logo no primeiro assalto, Antero fere Ramalho num braço. A luta termina, as honras estão lavadas. Os dois escritores reconciliam-se. Diz Camilo: Em 1866 na belicosa cidade do Porto, defrontaram-se de espada nua dois escritores portugueses de muitas excelências literárias e grande pundonor. Correu algum sangue. Deu-se por entretida a curiosidade pública e satisfeita a honra convencional dos combatentes. Alguns dias volvidos ia eu de passeio na estrada de Braga e levava comigo a honrosa companhia de um cavalheiro que lustra entre os mais grados das províncias do Norte. No sítio da Mãe-de-Água apontei a direcção de um plano encoberto pelos pinhais e disse ao meu companheiro: Foi ali que há dias a «Crítica Portuguesa» esgrimiu com o «Ideal Alemão»! (...)»

Carlos Loures, in Antero de Quental, Vidas Lusófonas

10 maio 2010

Uma preciosidade: a Bíblia dos Jerónimos


Incipit do frontispício do volume II, do livro de Josué, com o painel de S. Jerónimo (Foto: Jofre de Lima Monteiro Alves)

A Bíblia dos Jerónimos é uma obra manuscrita e iluminada em sete volumes, feita em Florença, Itália, na oficina de Attavante degli Attavanti. Foi encomendada em 1494 por Clemente Sernigi, que a ofereceu ao rei D. Manuel I de Portugal. Este, por sua vez, doou-a ao Mosteiro dos Jerónimos. 

Por ocasião das Invasões Francesas, ocorridas no início do séc. XIX, esta incomparável obra foi roubada pelo marechal Junot e levada para Paris. Foi adquirida à viúva de Junot pelo rei Luís XVIII de França, que acabou por devolvê-la a Portugal. Encontra-se atualmente na Torre do Tombo, em Lisboa.

(Clicar na imagem para vê-la em pormenor)

02 maio 2010

Mon'ami


(Foto encontrada em Baobab)

Escutemos, neste Dia da Mãe, a canção angolana Mon'Ami (Filho Meu), interpretada por Lourdes van Dunem e pelo conjunto Ngola Ritmos, tal como foi apresentada perante as câmaras da RTP, em Lisboa, no ano de 1964.
Esta canção é o lamento de uma mãe que chora a morte de um filho. A sua letra, escrita em quimbundo, parece ser a seguinte:

Talenu ngo! O kituxi ki ngabange?
Talenu ngo! Maka mami ma jingongo!
Ngexile kya ni an'ami kiyadi.
Nzambi k'andale. Ngaxala ni umoxi.

Ngibanga kyebye?! Ngaxala ngoe ni umoxi!
Ngibanga kyebi? O kituxi ki ngabangye?!
Mona wambote wajimbirila.
Ngidila ngoe! Ngibanza ngoe! Ay, mon'ami!


Traduzida para português, ela diz mais ou menos o seguinte:

Vede só! Que pecado cometi?
Vede só! As minhas palavras de dor!
Já tive dois filhos meus.
Deus não quis. Fiquei com um.

O que faço?! Fiquei só com um!
O que faço? Que pecado cometi?!
Um filho lindo se perdeu.

Só choro! Só penso! Ai, filho meu!


01 maio 2010

Primeiro de Maio


O memorável Primeiro de Maio de 1974 na cidade do Porto. Eu estava ali no meio. (Foto encontrada no Abrupto)



Quem trabalha e mata a fome
não come o pão de ninguém;
mas quem não trabalha e come,
come sempre o pão de alguém.

António Aleixo