30 junho 2018

Gaudent in cœlis


Gaudent in cœlis, de Estêvão de Brito (c. 1575–1641), pelo Coro da Sé Catedral do Porto, dirigido por Eugénio Amorim

O compositor Estêvão de Brito foi um dos mais notáveis autores portugueses de música sacra polifónica do Renascimento. Estêvão de Brito nasceu em Serpa por volta de 1575. Em 1597 foi nomeado mestre de capela da catedral de Badajoz. Foi ordenado em 1608 e em 1613 passou a ser mestre de capela da catedral de Málaga. Em 1618 foi-lhe oferecido o cargo de mestre da capela real espanhola, em Madrid, que ele recusou por razões que se desconhecem. Permaneceu em Málaga, onde acabou por morrer em 1641. As suas obras que constavam da Biblioteca Musical do rei D. João IV perderam-se no terramoto de 1755. Além das perdas em vidas humanas e bens materiais, este terrível terramoto foi também catastrófico para a cultura portuguesa. De Estêvão de Brito, só sobreviveram até aos nossos dias as obras que constam de manuscritos existentes na catedral de Málaga.

23 junho 2018

Cós, Alcobaça


Grade de clausura da igreja do convento de Santa Maria de Cós, Alcobaça (Foto de autor desconhecido)

Quem passar pela estrada que liga a Nazaré ao Juncal e Cruz da Légua, a norte de Alcobaça, encontrará, mais ou menos a meio do trajeto, uma edificação de grande dimensões no fundo de um vale. É a igreja do convento de Santa Maria de Cós, que foi um dos conventos mais importantes da ordem de Cister em Portugal.

Do mosteiro de Alcobaça quase não vale a pena falar. Toda a gente sabe que este mosteiro é um dos mais belos e grandiosos monumentos que existem em Portugal. Eu não tenho palavras para descrever o que sinto quando me encontro dentro da grandiosa nave gótica da igreja do mosteiro de Alcobaça, que é tão pura e tão simples que faz elevar o meu espírito ao céu apesar do meu empedernido agnosticismo. Que me perdoem Pedro e Inês, cujos túmulos deslumbram quem os vê. Confesso que gosto mais da despojada nave da igreja do que dos decoradíssimos túmulos dos dois amantes, em estilo gótico flamejante.


Retábulo do altar-mor da igreja do convento de Santa Maria de Cós, Alcobaça (Foto de autor desconhecido)

O convento de Santa Maria de Cós, por seu lado, não existiria se não existisse o mosteiro de Alcobaça. Cós resulta de uma cláusula do testamento do rei D. Sancho II de Portugal, que tinha em vista albergar as mulheres viúvas que quisessem dedicar a Deus o resto dos seus dias e que contribuíssem com o seu trabalho para o bom funcionamento do mosteiro de Alcobaça. O convento de Cós poderá não ter a beleza e a importância do mosteiro de Alcobaça, mas é um monumento que também merece uma atenta visita, apesar da sua aparência exterior pouco apelativa.


Painéis de azulejos rodeando a pia de água benta da igreja do convento de Santa Maria de Cós, Alcobaça (Foto de autor desconhecido)

Dizem alguns historiadores que o convento de Cós foi fundado em 1279 por ordem do abade D. Fernando de Alcobaça, em cumprimento do referido testamento. Quase tudo o que hoje se vê em Cós, porém, é muitíssimo posterior. As vicissitudes da História, mormente o terramoto de 1755 e a extinção das ordens religiosas no séc. XIX, fizeram que quase só restasse nos nossos dias a igreja, do conjunto do edificado conventual original. Mesmo assim, vale a pena visitá-la. A talha dourada dos altares, os silares de azulejos nas paredes, a grade de clausura, as pinturas do teto e uma porta manuelina, entre outras preciosidades, merecem o nosso olhar muito atento.


Porta manuelina da igreja do convento de Santa Maria de Cós, Alcobaça (Foto: Karstenkascais)

20 junho 2018

Um grito de alerta



Benki Piyãko Ashaninka é o líder indígena (chamado cacique no Brasil) dos habitantes de etnia Ashaninka que vivem na bacia do Rio Amónia, na região do Alto Juruá, estado do Acre, Brasil. É costume, entre os indígenas brasileiros, usar o nome da sua tribo como último apelido (sobrenome no Brasil). O povo Ashaninka vive repartido entre o Brasil e o Peru.

O cacique Benki Piyãko Ashaninka tem vindo a receber ameaças de morte por parte de madeireiros, por causa da sua defesa da floresta amazónica. Estas ameaças devem ser levadas muito a sério, pois foi precisamente no Acre que o seringueiro Chico Mendes foi assassinado. A vida de Benki Piyãko Ashaninka corre, portanto, sério risco.

O texto que se segue, e que partilho com todo o gosto, é da autoria de Benki Piyãko Ashaninka e foi publicado numa sua página no Facebook.

Quero falar algumas palavras que representam o meu sonho de vida. Sou Benki, menino, filho da terra, representado pelo meu pai Antônio e minha mãe Francisca. A floresta para mim é parte de um ciclo de vida que tenho como Ashaninka, que me banho nos rios e respiro o ar puro das flores, trabalho de dia e descanso à noite, como as frutas, e canto com os pássaros e os animais. Minha alegria me dá força de enfrentar o mundo para ajudar o Planeta criando um plano estratégico para desenvolver uma sustentabilidade e um equilíbrio para a Humanidade.

Nós Ashaninka temos uma preocupação pelo que está acontecendo no mundo. Já temos muitas comprovações em pesquisas que apontam os problemas causados pelo desmatamento, pelos rios poluídos, pela mineração de ouro, extração de petróleo, criação de sementes modificadas, construção de estradas e barragens, poluição causada pelas indústrias e pelo lixo.

As políticas de governo agora nos levam a uma preocupação ainda maior, com seus empreendimentos para criação de barragens, destruição da floresta, extração de petróleo, minérios, redução de terras indígenas, investimento para a criação de gado e plantio de monoculturas com uso de venenos, destruindo nossos rios. O que vamos fazer se um governo não sabe refletir sobre seus planos socioeconômicos, levando o país para um desastre humano? Sei que nós, Ashaninka, estamos mostrando um pouco para o mundo nossa preocupação e levando projetos para ajudar a gerar sustentabilidade econômica e maior equilíbrio humano, com projetos sociais, para as escolas, gerando consciência de como manter um planeta limpo e mais rico para a Humanidade; plantando floresta e cuidando da terra como parte de nossa vida.

Queremos que as nações do mundo deem um grito de alerta para nosso governo acordar e voltar um pouco para trás. Para que admita o erro cometido que está matando a todos nós. Esta mensagem vem da Terra, como um pedido para a Humanidade entender que somos passageiros e não podemos olhar apenas para nós mesmos, mas temos que olhar para as futuras gerações e o que vamos deixar para eles. Temos que pensar nos nossos filhos e na Terra. Não podemos deixar um país pobre e envenenado, como já está acontecendo. Hoje já podemos ver os desastres acontecendo, pessoas emigrando de seus países em busca de água para beber e comida para comer. Vemos a guerra pelo dinheiro e a próxima será pela água e pela comida.

Prestem atenção no que falo. Vamos esperar ou mudar a história? Junte-se a nós!

Benki Piyako Ashaninka , filho da terra

19 junho 2018

Não digas nada


Poderemos dizer que Mário Cesariny plagiou Fernando Pessoa? A semelhança entre o poema de Cesariny, que publiquei no post anterior deste blog, e o poema seguinte de Fernando Pessoa é tão evidente que chega a ser chocante.

NÃO: NÃO DIGAS NADA!

Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já.

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada; sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê.
5/6-2-1931, Fernando Pessoa (1888–1935)


Mais tarde Fernando Pessoa escreveu o seguinte poema, que tem um título quase igual.

NÃO DIGAS NADA!

Não digas nada!
Não, nem a verdade!
Há tanta suavidade
Em nada se dizer
E tudo se entender —
Tudo metade
De sentir e de ver…
Não digas nada!
Deixa esquecer.

Talvez que amanhã
Em outra paisagem
Digas que foi vã
Toda esta viagem
Até onde quis
Ser quem me agrada…
Mas ali fui feliz…
Não digas nada.

23-8-1934, Fernando Pessoa (1888–1935)


(Foto de autor desconhecido)

13 junho 2018

Faz-me o favor…

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és nao vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor — muito melhor! —
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

Mário Cesariny de Vasconcelos (1923–2006), in O Virgem Negra


(Foto de autor desconhecido)

10 junho 2018

Sinfonia "À Pátria"


Sinfonia "À Pátria", de José Viana da Mota (1868–1948), pela Orquestra do Estado Húngaro, dirigida por Mátyás Antal, com os seguintes andamentos:
1.º andamento — Allegro heroico — invocação às Tágides, formulada nos versos de Luis de Camões em Os Lusíadas;
2.º andamento — Adagio — simboliza o lirismo português;
3.º andamento — Scherzo — danças e cantigas nacionais;
4.º andamento — Final — decadência, luta na crise e ressurgimento da Pátria

06 junho 2018

Nanoescultura

Trust, de Jonty Hurwitz, a mais pequena escultura representando um ser humano jamais feita, no interior do buraco de uma agulha (Foto por microscópio eletrónico: Jonty Hurwitz)

«E vos digo mais: É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus» (Mateus 19:24), disse Jesus Cristo. Pois o sul-africano Jonty Hurwitz não só consegue fazer passar um camelo pelo buraco de uma agulha, como até consegue fazer passar uma cáfila inteira, e ainda sobra buraco!

Uma das atividades a que Jonty Hurwitz se tem dedicado é a da nanoescultura, isto é, escultura feita em escala tão reduzida, que só com um microscópio se pode ver. Esta forma de escultura é tão pequena, que Jonty Hurwitz já perdeu o rasto a algumas das suas obras. Uma vez perdidas, são mais difíceis de encontrar do que uma agulha num palheiro, para voltarmos ao exemplo da agulha…

O processo utilizado por Jonty Hurwitz para produzir as suas obras encontra-se descrito em inglês na sua página na internet, onde, além da nanoescutura, se encontram outras formas de arte por ele produzidas, com destaque para a escultura anamórfica, em linha com a que foi produzida por muitos artistas maneiristas dos sécs. XVI e XVII.

A página de Jonty Hurwitz na internet tem o endereço https://www.jontyhurwitz.com/.


Trust, de Jonty Hurwitz, pousada num cabelo humano (Foto por microscópio eletrónico: Jonty Hurwitz)


Intensity, de Jonty Hurwitz (Foto por microscópio eletrónico: Jonty Hurwitz)


Reprodução da escultura Cupido e Psique de Antonio Canova, por Jonty Hurwitz, sobre a cabeça de uma formiga (Foto por microscópio eletrónico: Jonty Hurwitz)