31 agosto 2010

Carrasqueira, Alcácer do Sal


Cais palafítico da Carrasqueira (Foto de autor desconhecido)


A Carrasqueira é uma povoação situada no extremo sul do estuário do Rio Sado, entre a localidade da Comporta e a cidade de Alcácer do Sal.

A Carrasqueira é uma localidade muito interessante sob diversos aspetos. O que mais prende a atenção do visitante é, sem dúvida nenhuma, o seu cais palafítico, de aparência periclitante, ao qual se encontram amarrados coloridos barcos, que costumam ver-se pousados no lodo, se a maré estiver baixa, ou flutuando na água, se a maré estiver alta.

A estação do Outono, que se aproxima, é talvez a melhor época do ano para se visitar a Carrasqueira. O Outono é uma estação em que o sol deixa de ser ofuscante e se torna dourado. Os reflexos do sol na água do estuário deixam de ferir a vista e passam a dar um colorido muito especial à paisagem que se estende diante da povoação: o espelho de água (ou o "espelho" de lodo...) do vasto estuário do rio e o recorte, ao fundo, das silhuetas das serras do Risco (se entretanto as pedreiras não a tiverem reduzido à não-existência), da Arrábida, de São Luis e ainda da elevação de Palmela. A beleza do local é enorme.



Anoitecer sobre a Carrasqueira (Foto: Nuno de Sousa)


Uma outra particularidade da Carrasqueira é o modo de vida dos seus habitantes, que são, ao mesmo tempo, pescadores e agricultores. Os primeiros povoadores do local, chegados, talvez, nos inícios do séc. XX, eram agricultores. Foi o facto de se terem fixado próximo da água que os levou a virar-se para a pesca como meio complementar de subsistência, através do recurso a redes apropriadas ao meio estuarino. As espécies capturadas no estuário são sobretudo o choco e o linguado, mas o polvo e o caranguejo também são apanhados. No passado, os moluscos tiveram muita importância para a economia local, mas a poluição no Rio Sado causou o desaparecimento quase total dos moluscos. A apanha de minhocas (poliquetas) no lodo do rio é outra atividade dos habitantes da Carrasqueira. É atualmente a mais rendosa de todas.

O tipo de construção característico da Carrasqueira é a chamada "barraca", feita com materiais vegetais bastante precários. No entanto, a quase totalidade dos habitantes da aldeia vive hoje em casas de "pedra e cal", com um mínimo de condições. Já quase não existem "barracas" na Carrasqueira.

Para um conhecimento mais aprofundado da Carrasqueira e dos seus habitantes, consulte-se o texto "Os Agricultores-Pescadores da Carrasqueira (Estuário do Sado): Um Modo de Vida em Extinção?", de Fernando Ribeiro Martins e Henrique Souto, que está disponível aqui. Foi ele que me serviu de orientação para a elaboração deste artigo.



Uma "barraca" da Carrasqueira (Foto: António Martins Neves)

19 agosto 2010

Uma história da Índia


Vista parcial do palácio do antigo nababo Sujá Doulá (Suja ul Dowla) em Fizabad, Índia, por William Hodges, 1787 (British Library)


I

O Bangaló


No districto de Oude, ao sul do famoso Gográ, e a breve distância de Lucnou, está situada Fizabad, a antiga capital do reino. Opulenta outr'ora, as suas muralhas tinham sido famosas antes de 1775, mas jazem hoje desmoronadas; o seu palacio de Sujá Doulá fôra magnificente mas caiu em ruinas; a sua população rica emigrou para Lucnou; fugiram d'alli os reis, os principes, a côrte, o luxo e as paixões, cedendo o seu logar aos lavradores, aos rouxinoes, á amenidade e ao trabalho. É campo o que fôra cidade.

Na epoca em que succederam os acontecimentos que vamos narrar, Fizabad pertencia ainda à dynastia Doulá. Tinha escapado á voragem do famoso tratado de 1801, em que o nababo Asof, escravo do destino e victima da propria fraqueza, vira com resignação a poderosa companhia das Indias quebrar-lhe em bocados a corôa, e retalhar o reino, conservando-lhe apenas, em premio de tanta humildade, um titulo vão e uma soberania phantastica. Este golpe tão profundo, como robusto era o braço de lord Wellesley que o vibrara, tornou-se cancro. E Oude, que encerra as origens dos quatro rios sagrados da India e a famosa Benares, que é a Roma do bracmanismo, desmoronou-se e caiu em 1856 no vasto sorvedouro do imperio britanico.

No recosto de um teso, no centro de Fizabad, viam-se em 18..., como as do solitario eremiterio suspenso no cimo da montanha, as alvissimas paredes de um bangaló, (1) cercado da ramagem de umbrosas mangueiras, que depois de o guarnecer de uma densa e viçosa cinta de verdura, colleava e se estirava pelo teso abaixo até se perder nas extensas campinas. Para mais realçar este quadro, á esquerda as aguas do Gográ resplandeciam com a luz do brilhante sol dos tropicos.

O bangaló visto de perto dava idéia do luxo oriental, e do estylo leve e gracioso da achitectura indiana. Era uma casa alta com tecto de fórma conica e achatado, sustentado sobre quatro renques de pilares. As suas paredes, construidas de pedra, eram grossas como as muralhas de uma fortaleza. Cercava-a em todo o ambito uma varanda com balaustres de pau sandalo, abrigada dos ardores do sol pelas redes tecidas de raizes aromaticas, flores perennes, que, orvalhadas pelo ar da madrugada, exhalavam todos os dias perfumes suavissimos. O jardim, as cascatas, e os pankás (2) conservavam nas diversas salas d'este vasto edificio uma frescura eterna. A longa escada que conduzia para o bangaló começava na raiz do teso e acabava no gradeamento. Era toda de pedra, e ladeada de duas ordens de frondosos arbustos, cujos ramos entrelaçando-se formavam um sobreceo continuo e ondulante.

Não são raros na India similhantes bangalós, em que o luxo rivalisa com as commodidades, verdadeiros templos onde o nababo, o rajá e o sahib (3), reclinados em riquissimas ottomanas, e n'uma somnolencia voluptuosa, recebem as adorações de turbas de servos submissos e indolentes. Não pôde deixar de ser conhecido do leitor, pela fama, o bangaló Constancia do general Claude Martin, sendo monumento da magnificencia e bom gosto e uma das maravilhas de Oude. Custara mais de cento e sessenta mil libras a sua construcção.

(...)

(1) - Casa de recreio abarracada.

(2) - Grandes ventarolas.

(3) - Tratamento que se dá aos inglezes.


Primeiro capítulo do romance Os Brâmanes, de Francisco Luís Gomes (1829-1869), médico e escritor de Goa. Este romance está disponível no Google Books, de onde pode ser descarregado.




Estado atual do bangaló Constância, de Claude Martin, referido no texto. Aloja agora um colégio chamado La Martinière (Foto: Anandway.com)

16 agosto 2010

Jacinta


É extraordinariamente difícil cantar jazz. Para o fazer, é necessário ter um domínio completo da voz, muito swing, capacidade de improvisar e de acompanhar o improviso dos outros músicos, um timbre vocal quente e envolvente, etc. A cantora portuguesa Jacinta possui todas estas qualidades em muito elevado grau. É uma grande cantora de jazz.



My Baby Just Cares for Me, por Jacinta



Redemption Song, por Jacinta

13 agosto 2010

Uma noite no deserto do Namibe


Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), escritor e antropólogo angolano (Foto: Walter Fernandes)

(...) Há anos que eu andava a ver se conseguia dormir assim sozinho no deserto. Mas de facto nunca viajava completamente sozinho e nunca tinha querido, também, impor uma escala assim despropositada aos meus companheiros de viagens. Estava agora ali, afastado um pouco da fogueira, a fixar aquele círculo de chão iluminado, a aferir a gradação do limite entre a substância do palpável e a vastidão compacta da noite. A adequação dos sentidos: a vista, durante o dia, o ouvido, agora. O silvo discreto das torrentes da brisa, dos canais do vento. Qualquer ruído acrescentado a estes, uma folha de capim cedendo ao rastejar de algum mínimo réptil, o indeciso progredir de algum insecto escuso, estava o alerta disparado e em guarda, indiferente contudo ao choro dos chacais. Assente e a sós na caixa do silêncio. O vento, só. Não chegas a saber se o das correntes de ar ou só aquele que a Terra há-de soprar embrulhada no curso da rotação que a leva. E há um rumor de estrelas a que por vezes, de súbito, se acrescenta o grito, sideral, de algum astro candente. E o permanente caudal , que sempre entendi de esperma, da via láctea, suspensão morosa na uterina fluidez da noite. Até que a lua nasce a confirmar contornos guardados intactos pela minha vigília. (...)

Ruy Duarte de Carvalho, in Vou lá visitar pastores, Edições Cotovia, Lisboa, 1999



Um pequeno trecho do céu austral. A constelação do Cruzeiro do Sul está um pouco acima e à direita do centro da imagem (Foto: Greg Bock)

11 agosto 2010

Uma cruz manuelina



Esta é uma obra-prima da ourivesaria portuguesa: a cruz processional da Sé Catedral do Funchal, na Madeira, obra dos finais do séc. XV ou inícios do XVI, em estilo gótico final português, habitualmente chamado estilo manuelino.

Não se sabe quem foi o artista que fez esta soberba cruz. Pode ter sido Gil Vicente, o autor da belíssima custódia de Belém, mas não há provas nenhumas disso. Pode ter sido Gil Vicente, como pode ter sido um seu contemporâneo cujo nome não passou para a História.

A seguir se mostram dois pormenores desta cruz. Aconselho a clicar nas imagens para ampliá-las. Vale a pena ver os detalhes.




05 agosto 2010

Os Jovens do Hungo


Menina de Angola segurando um instrumento musical chamado hungo (Foto muito antiga de autor desconhecido)


Os Jovens do Hungo são um grupo musical angolano, fundado em Luanda e radicado em Portugal desde 1994, que se dedica à interpretação e divulgação da música tradicional de Angola. No vídeo que se segue, eles interpretam a canção Sembele (Alívio), numa gravação de 1995.




No vídeo seguinte, que é extraído de um programa da TPA (Televisão Pública de Angola), esqueçamos o apresentador do programa, que à força de querer ser engraçadinho faz uma figura bem triste. Não é Jay Leno quem quer. Foquemos, isso sim, a nossa atenção nos Jovens do Hungo, na sua grande música e nas suas palavras.


01 agosto 2010

Citação

Que espírito será tão cego e vazio que não entenda que o pé humano é mais nobre que o sapato que o calça, e que a pele humana é mais bela que as vestes com que a cobrimos?

Miguel Ângelo (1475-1564)


(Foto de autor desconhecido)