29 maio 2024

Na fonte está Leonor


Na Fonte Está Leonor, um lied composto por Jorge Croner de Vasconcelos (1910–1974) sobre uma redondilha de Luís de Camões (1524–1580), pelo barítono Tiago Matos, acompanhado ao piano por João Lima

Cantiga alheia

Na fonte está Leonor
Lavando a talha, e chorando,
Às amigas perguntando:
Vistes lá o meu amor?

Voltas

Posto o pensamento nele,
Porque a tudo o Amor a obriga,
Cantava, mas a cantiga
Eram suspiros por ele.

Nisto estava Leonor
O seu desejo enganando,
Às amigas perguntando:
Vistes lá o meu amor?

O rosto sobre hũa mão,
Os olhos no chão pregados,
Que de chorar já cansados,
Algum descanso lhe dão;

Desta sorte Leonor
Suspende de quando em quando
Sua dor; e em si tornando,
Mais pesada sente a dor.

Não deita dos olhos água,
Que não quer que a dor s′abrande
Amor, porque em mágoa grande
Seca as lágrimas a mágoa.

Despois que de seu amor
Soube novas perguntando,
D′improviso a vi chorando.
Olhai que extremos de dor!

Luís Vaz de Camões

Comentários: 2

Blogger Isabel escreveu...

Não estamos habituados a ouvir a língua portuguesa cantada desta forma, mas é bonito.
Boa tarde:))

29 maio, 2024 15:18  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Isabel,
Digamos que esta é a forma de cantar que está de acordo com os padrões da música dita clássica. Não quero dizer com isto que esta seja uma forma de cantar superior às outras, de maneira nenhuma. Não lhes é superior nem inferior; é diferente.

No princípio do século XIX surgiu este género musical, que podemos considerar um género próprio do Romantismo por excelência. Nessa época, houve uma notável evolução técnica nos instrumentos de tecla, a qual esteve na origem do aparecimento do pianoforte, primeiro, e do piano, a seguir, que resultou do aperfeiçoamento do pianoforte. As pessoas mais abastadas desse tempo começaram a adquirir pianos para as suas próprias casas, com a finalidade de animarem os seus serões familiares, tertúlias e, em geral, as suas reuniões de sociedade. Naquele tempo não havia televisão, nem internet, nem sequer música gravada. Toda a música era feita ao vivo, e o piano desempenhou então um papel primordial nas reuniões ao serão. Foi neste contexto que surgiu este género musical, que é eminentemente caseiro e a que se pôs o nome de lied: um canto feito por uma voz e quase sempre com acompanhamento ao piano, sobre poemas de autores famosos.

A palavra lied significa "canção" em alemão, seja ela de que género for. O plural de lied é lieder. Em Portugal e outros países não-germanófonos, esta palavra passou a designar apenas este género muito específico acima referido, de canção acompanhada quase sempre ao piano sobre poemas famosos. Ao longo de todo o séc. XIX e também pelo séc. XX dentro, foram escritos milhares e milhares de lieder. Mesmo os compositores mais conceituados, como Beethoven, os escreveram. Entre os mais destacados compositores de lieder contam-se o austríaco Franz Schubert, o alemão Robert Schumann e outros mais, incluindo o já referido Beethoven e o austríaco Gustav Mahler. Os mais belos lieder que se conhecem, porém, devem ser os de Schubert, que os escrevia de um só jato, à mesa do restaurante ou da taberna do bairro de Grinzing, na periferia norte de Viena, que costumava frequentar.

Permita-me que lhe dê a ouvir dois dos mais populares lieder de Schubert, chamados "A Tília" e "A Truta", pelo barítono Dietrich Fischer-Dieskau, acompanhado ao piano por Gerald Moore, ambos já falecidos:

https://www.youtube.com/watch?v=GbZ0MzMR8DE

https://www.youtube.com/watch?v=NF9DrUXowBo

30 maio, 2024 03:19  

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