Agricultura na areia
Campo-masseira. (Foto: Portal Póvoa de Varzim)
Não é preciso ir a Israel ou aos Emirados Árabes Unidos para se ver areia a produzir cebolas, tomates e pepinos. Basta ir à Estela e Aguçadoura, a norte da Póvoa de Varzim, aqui mesmo em Portugal.
Nessa região próxima do mar, os agricultores conseguiram transformar dunas de areia em campos férteis, que são os chamados campos-masseira. Alguns desses campos estão a escassos metros da praia, onde sopram os ventos marítimos carregados de sal. Até parece milagre, um milagre que atrai agrónomos de todo o mundo, até do Japão.
Para conseguir esse milagre, os lavradores escavaram rectângulos nas dunas (iguais ao que se vê na fotografia) até quase ao nível freático. Como os rebordos dos rectângulos são de areia, eles não são verticais, mas sim inclinados. Os campos tomam por isso a forma de gigantescos tabuleiros de amassar o pão, sendo chamados campos-masseira ou simplesmente masseiras. Estes campos encontram-se a um nível que está entre 1 e 2,5 metros abaixo do nível das estradas e caminhos.
Tradicionalmente, nos rebordos inclinados dos campos-masseira são plantadas vinhas, que consolidam a sua areia. No fundo dos campos cultivam-se diversas espécies hortícolas, sendo a mais cultivada a cebola, que é muito apreciada. «Não há cebola como a das masseiras», diz-se.
Como o fundo dos campos está próximo do nível freático, as raízes das plantas encontram aí a água de que necessitam para o seu desenvolvimento. O nível inferior a que os campos se encontram também protege as plantas do vento carregado de sal que sopra do lado do mar, assim como permite que elas sejam mais aquecidas pelo sol e assim se desenvolvam mais.
Como é evidente, a água e a areia, por si sós, não permitem o crescimento de plantas. É preciso que também haja nutrientes no solo. Como a areia não os tem, eles têm de ser acrescentados pelos agricultores. A fertilização dos campos-masseira é feita, sobretudo, por estrume de vaca, proveniente das inúmeras vacarias que existem na região (é nelas que estão as vacas que produzem o leite da marca Agros) e também por algum adubo químico. Ainda há alguns agricultores que preferem fertilizar os seus campos à moda antiga, com sargaço (algas) lançado para a praia pelo mar.
A apanha do sargaço para os campos-masseira e outros campos já não tem, de maneira nenhuma, a importância que teve no passado. Ela teve uma importância tal que permitiu a existência, na vizinha localidade de Apúlia, de uma figura muito característica, a do sargaceiro, que em vez de calças vestia um curto saiote. Hoje, a figura do sargaceiro já não existe, mas continua a ser um motivo de orgulho para as gentes da Apúlia, que a recriam no seu grupo folclórico.
Comentários: 3
O trabalho e arte desencadeadores da harmonia terra lavrada!
O sargaceiro já não existe, mas continua a haver quem fertilize campos com sargaço. Em Moledo e Afife ainda no verão passado vi quem andasse a recolher as ditas algas, evidentemente em muito pequena escala, mas ainda subsiste a actividade!
Sensia, eu admiro, sobretudo, o primeiro que teve a ideia de abrir campos de cultivo nas dunas. Aposto que nem sequer sabia ler e escrever. Que conhecimentos empíricos é que o terão levado a lembrar-se de tal? Isto dá-nos uma lição, que é a de que não devemos menosprezar os conhecimentos de quem convive com a Natureza no seu dia-a-dia. Um pouco de humildade só nos fará bem.
Trazmumbalde, onde eu vi mais algas a secar ao sol foi nas praias da Aguçadoura e de A-Ver-o-Mar, esta já dentro da cidade da Póvoa de Varzim. Por outro lado, Afife é uma praia de que continuo a gostar muito, apesar da construção descaracterizadora que por lá se vai fazendo.
P.S. - Eu tenho uma vaga ideia de já ter encontrado o pseudónimo Trazmumbalde em qualquer lado, sem ser na blogosfera. Terá sido nos newsgroups?
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