11 março 2006

A praia mais ocidental da Europa


Não há, em Portugal, concelho como o de Sintra. Tem serras e tem planícies. Tem palácios e tem castelos. Tem subúrbios superlotados e tem quintas aristocráticas. Tem florestas e tem aldeias brancas. Tem pegadas de dinossauros e tem rochas de formas caprichosas. Tem antigos conventos católicos e tem antigos templos pagãos. Tem túmulos pré-históricos e tem cemitérios medievais. Tem vestígios romanos e tem aquedutos barrocos. Tem hortas e tem indústrias. Tem várzeas e tem charnecas. Tem mármores e tem nascentes de água pura. Tem queijadas e tem "fofinhos". Tem vinhos raros e tem leitão assado. E como se tudo isto ainda não bastasse, Sintra tem uma das mais belas costas de Portugal, com destaque para o trecho compreendido entre o Cabo da Roca e a Praia da Adraga.

Neste trecho de costa, não muito longe do Cabo da Roca, fica a pequenina Praia da Ursa, que é uma das praias mais puras e virginais que algumas vez encontrei. Lá em baixo, o dourado da areia, o azul do céu, o verde esmeralda do mar, a limpidez cristalina do fio de água que cai da falésia e o som das ondas quebrando no minúsculo areal dão-nos a nítida sensação de que o mundo acabou de ser criado naquele preciso momento.

Quando, ao fim da tarde, nos retiramos, subimos a encosta, olhamos para trás a meio do caminho e vemos o nevoeiro a começar a entrar pela terra dentro, vindo do mar, desejamos que aquele instante fique cristalizado para sempre e que nós fiquemos ali, eternamente enfeitiçados, a ver a praiazinha inundada de uma fina poalha de luz.

Foi este o instante que eu procurei fixar na foto que aqui mostro. À minha volta, espalhadas pela encosta, havia flores brancas, chamadas armérias da Roca ou pompons brancos, que só existem naquelas redondezas e em nenhuma outra parte do mundo. São as pequenas manchas brancas que se vêem em primeiro plano, por entre o verde dos chorões.

O nome Ursa vem do grande rochedo separado da terra firme que está mais à esquerda, o mais pontiagudo. Visto de um ângulo perpendicular ao da foto, ele apresenta um arco tal que parece nitidamente um urso gigantesco a beber a água do mar. (Um visitante deste blog refere, num comentário a este artigo, que o nome Ursa não terá vindo deste rochedo, mas sim de uma outra formação rochosa que estava situada mais a sul e que apresentava dois enormes arcos inclinados. Esta formação rochosa desmoronou-se há muitos anos.)

Já que falo da água do mar, chamo a atenção para o facto de que na Praia da Ursa ela é particulamente fria. Eu, que sou do Porto e estou por isso habituado, desde a mais tenra idade, ao mar frio das praias desta cidade, fiquei petrificado quando mergulhei nas ondas da Ursa. Nunca em dias da minha vida mergulhei numa água tão fria.

Comentários: 8

Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Realmente, este trecho da costa de Sintra apresenta grandes semelhanças com a Costa Vicentina e com a do Sudoeste Alentejano.

Os alentejanos e algarvios que me perdoem, mas eu não encontrei, nem no concelho de Sines, nem no de Odemira, nem no de Aljezur, nem no de Vila do Bispo, nem no de Lagos, nem no de Portimão, trechos de costa mais belos do que este. O Alentejo e o Algarve podem ter trechos tão belos como este, mas mais belos não têm.

A descida à Praia da Ursa requer algum esforço físico (sobretudo no regresso), a que algumas pessoas não se atrevem. Mesmo assim, vale a pena espreitá-la do alto, pelo menos. Assim como vale (muito, mas mesmo muito!) a pena percorrer o alto da falésia entre a Praia da Adraga e a da Ursa. Para isso, recomendo que se faça o percurso a partir da Praia da Adraga. A esta praia chega-se (de carro ou a pé) a partir do centro da localidade de Almoçageme.

Por si só, a Praia da Adraga já é muito bonita, com o seu arco rochoso e o seu mar cor de esmeralda. Mas o mais bonito está lá no cimo da falésia, para a esquerda de quem está virado para o mar. A subida não exige grande forma física e a beleza do que se lá encontra é de cortar a respiração: Fojo da Adraga, Pedra de Alvidrar, vista sobre a Ursa, etc. Repito que vale mesmo a pena ir lá acima e que não é preciso ser um atleta de alta competição para andar por aquela falésia.

As flores referidas no texto têm o nome cientifico Armeria Pseudarmeria e são de facto endémicas da Roca.

11 março, 2006 17:17  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Amigo Rynaldo Papoy, do ponto de vista humano e cultural, a Islândia faz parte da Europa, sem sombra de dúvida. Da mesma forma, os Açores, que ficam no meio do Atlântico Norte, fazem parte de Portugal e, portanto, da Europa também. As populações da Islândia e dos Açores são originárias da Europa e possuem uma cultura que é indiscutivelmente europeia.

Do ponto de vista geográfico, no entanto, tanto a Islândia como os Açores são ilhas que estão situadas entre a Europa e a América do Norte. Não fazem parte de uma nem da outra. A Europa, entendida como continente, acaba no Cabo da Roca, perto de Lisboa.

14 março, 2006 15:35  
Anonymous Anónimo escreveu...

Ola,
Gostei muito deste texto sobre esta zona perto da Adraga, local pelo qual tenho um carinho especial e onde vivi durante um ano quando tinha 5 anos. Lembro-me vivamente. Muito mistico o local; apetece sempre voltar. Um abraco sem cedilha.... :) Isabel Ruivo

02 setembro, 2006 09:49  
Blogger Unknown escreveu...

Caro Fernando Ribeiro,
Cito-o:

"O nome Ursa vem do grande rochedo separado da terra firme que está mais à esquerda, o mais pontiagudo. Visto de um ângulo perpendicular ao da foto, ele apresenta um arco tal que parece nitidamente um urso gigantesco a beber a água do mar."

Pergunto! O senhor sabe o que escreveu?

O Rochedo chamado de Ursa caíu faz muitos e muitos anos! mas não esse que o Senhor refere.

O seu a seu dono!
Faça uma busca no google que encontrará uma foto muito antiga com a dita Ursa.

Desejos de Boas Festas

AlexCoelho

23 dezembro, 2013 20:21  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro Alex Coelho

Eu já sabia que tinha existido na Praia da Ursa uma formação rochosa com dois arcos separados, entretanto desaparecida. Há uma fotografia dessa formação no Guia de Portugal, por exemplo.

A identificação da rocha que eu indiquei como sendo a Rocha da Ursa, a qual teria dado o nome à praia, foi-me fornecida por um habitante da zona. Confesso que não sei que autoridade é que ele tinha para me poder fazer uma tal afirmação. Mas, pelos vistos, a afirmação não é só dele, pois uma pesquisa na internet logo me endereçou para isto:

Um par de enormes rochedos emergem da água, a norte da Praia da Ursa, mesmo junto a essa, evocando a primeira enorme rocha em seu perfil, a imagem de um urso.

A lenda diz que há muitos milhares de anos, quando a terra era uma enorme bola coberta de gelo, aqui vivia uma ursa com os seus filhos. Quando o degelo começou , os Deuses disseram a todos os animais para abandonarem a beira-mar, mas a ursa não o fez, pois ali tinha nascido e ali queria ficar.

Os Deuses enfurecidos transformaram a ursa em pedra e os seus filhos em pequenas rochas dispersas à volta da mãe, que ali para sempre ficaram dando assim o nome à praia - Praia da Ursa.


(in http://palacio-de-sintra.blogspot.pt/2010/05/lenda-da-praia-da-ursa-cabo-da-roca.html)

23 dezembro, 2013 23:25  
Blogger Unknown escreveu...

Caro amigo como posso enviar a foto com a Ursa de antigamente?

23 dezembro, 2013 23:43  
Blogger Unknown escreveu...

Caro amigo como posso enviar a foto com a Ursa de antigamente?

23 dezembro, 2013 23:43  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Prezado Alex Coelho

Agradeço-lhe a boa vontade, mas parece-me que não precisa de me enviar a foto. Acabo de encontrar na internet aquela que foi publicada no Guia de Portugal, assim como uma pintura de Alfredo Keil, que eu desconhecia, representando a referida "ursa". Estão aqui: http://riodasmacas.blogspot.pt/2011/04/natureza-continua-moldar-imagem-da.html.

Também nesta página, aliás, é dado o nome de Ursa ao penedo que eu indiquei de acordo com o meu informador local, e não o representado por Alfredo Keil. Este penedo, pelos vistos, também se está a desfazer.

24 dezembro, 2013 01:04  

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