Um Santo António africano
Santo António (Toni Malau), peitoral de latão de autor desconhecido do antigo Reino do Kongo, séc. XVIII, The Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque
Santo António foi um santo particularmente venerado no antigo Kongo, por influência de Kimpa Vita, também chamada Dona Beatriz, que viveu no séc. XVIII e fundou um movimento religioso chamado Antonianismo. Kimpa Vita acabou por ser morta na fogueira, acusada de heresia.
Comentários: 5
No passado dia 5, estreou em Luanda, a peça Kimpa Vita - A Profetisa Ardente, de José Mena Abrantes, o senhor do teatro em Angola.
Obrigado, Ana B., pela lembrança. Confesso que foi por ter visto o anúncio da peça no Moringue que achei que valia a pena publicar este Santo António aqui.
é engraçado... vi um santo António também aqui em Berlim, africano, no museu de Dahlem... tenho que ir ver se as semelhanças estão só na minha cabeça...
Inominável, é provável que haja alguns Santos Antónios por aí, sim.
Repare que este Santo António do antigo Reino do Kongo não se parece nada com aquilo que se costuma chamar arte africana. É uma manifestação de assimilação cultural, de que o Kongo foi um caso exemplar, para o bem e para o mal.
Pouco tempo depois da chegada de Diogo Cão à foz do Rio Zaire, estabeleceram-se muito boas relações entre o Reino de Portugal e o Reino do Kongo, as quais se traduziram numa grande abertura do Kongo à cultura, à religião e à técnica portuguesas da época. Deu-se um processo de europeização do Kongo. Este processo acabou por redundar num terrível fracasso, por culpa, sobretudo, do tráfico de escravos, a que os portugueses se passaram a dedicar em grande escala, e da intolerância religiosa, que a Igreja passou a praticar, com os seus abomináveis autos-de-fé e tudo o mais. O desmoronar do Reino do Kongo correspondeu a uma das páginas mais vergonhosas da história de Portugal.
O movimento religioso criado no séc. XVIII por Kimpa Vita, de que o culto a Santo António foi apenas um das suas manifestações, inseriu-se no processo de desmoronamento do Reino do Kongo acima citado. Foi uma tentativa de reacção à violência então reinante, com recurso à religião. Não me peça que lhe forneça pormenores, porque não os sei. Tenho apenas uma vaga noção do que foi o Antonianismo, o movimento que Kimpa Vita criou.
De todo o processo de europeização de que o Kongo foi alvo no séc XVI, restam hoje alguns vestígios na sociedade do noroeste de Angola (províncias do Zaire, Uíge e Cabinda, que faziam parte do antigo reino), ao nível, por exemplo, do direito consuetudinário. Enquanto que as sociedades tradicionais bantu (como são praticamente todas as de Angola) são matrilineares, no noroeste de Angola as heranças e sucessões fazem-se pela via patrilinear, tal como na Europa, embora haja outros aspectos que continuem a ser matrilineares. A educação das crianças é um exemplo da continuação da via matrilinear. A educação das meninas é da responsabilidade da mãe, enquanto que a dos meninos é da responsabilidade do tio materno e não do pai. O pai, com efeito, não tem qualquer autoridade sobre os seus filhos, embora existam laços afectivos fortes a uni-los. Para os filhos, o pai não é mais do que um amigo, um companheiro, um irmão mais velho, que os ama e que lhes dá conselhos. Mas que não lhes dá ordens, porque quem manda neles é o irmão da mãe. A nós, europeus, isto pode fazer um bocadinho de confusão, mas é assim que as coisas funcionam.
"não me peças pormenores?"... caramba, homem, se tu já és uma encoclopédia histórica :)
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