10 março 2010

Calou-se a voz de Alda do Espírito Santo



Onde estão os homens caçados neste vento de loucura

O sangue caindo em gotas na terra
homens morrendo no mato
e o sangue caindo, caindo...
Fernão Dias para sempre na história
da Ilha Verde, rubra de sangue,
dos homens tombados
na arena imensa do cais.
Ai o cais, o sangue, os homens,
os grilhões, os golpes das pancadas
a soarem, a soarem, a soarem
caindo no silêncio das vidas tombadas
dos gritos, dos uivos de dor
dos homens que não são homens,
na mão dos verdugos sem nome.
Zé Mulato, na história do cais
baleando homens no silêncio
do tombar dos corpos.
Ai, Zé Mulato, Zé Mulato.
As vítimas clamam vingança
O mar, o mar de Fernão Dias
engolindo vidas humanas
está rubro de sangue.
- Nós estamos de pé -
nossos olhos se viram para ti.
Nossas vidas enterradas
nos campos da morte,
os homens do cinco de Fevereiro
os homens caídos na estufa da morte
clamando piedade
gritando pela vida,
mortos sem ar e sem água
levantam-se todos
da vala comum
e de pé no coro de justiça
clamam vingança...
Os corpos tombados no mato,
as casas, as casas dos homens
destruídas na voragem
do fogo incendiário,
as vias queimadas,
erguem o coro insólito de justiça
clamando vingança.
E vós todos carrascos
e vós todos algozes
sentados nos bancos dos réus:
-- Que fizestes do meu povo?...
-- Que respondeis?
-- Onde está o meu povo?...
E eu respondo no silêncio
das vozes erguidas
clamando justiça...
Um a um, todos em fila...
Para vós, carrascos,
o perdão não tem nome.
A justiça vai soar,
E o sangue das vidas caídas
nos matos da morte
ensopando a terra
num silêncio de arrepios
vai fecundar a terra,
clamando justiça.
É a chamada da humanidade
cantando a esperança
num mundo sem peias
onde a liberdade
é a pátria dos homens...

Alda do Espírito Santo (1926-2010), poetisa de São Tomé e Príncipe

NOTA: Este poema refere-se ao massacre de Batepá, ocorrido em 3 de Fevereiro de 1953, na sequência da recusa, por parte dos santomenses, em aceitarem a imposição de trabalhos forçados nas roças de São Tomé. No massacre terão sido mortas mais de 500 pessoas.

Comentários: 5

Anonymous Anónimo escreveu...

Olá!
O poema é lindíssimo, sem dúvida. Nota-se bem que é uma mulher africana a escrever, parece que escreve com mais alma, com uma profundidade diferente.
bjs Belinha

11 março, 2010 19:46  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Olá, Belinha

Alda do Espírito Santo escreveu este poema com profundidade, porque ela mesma presenciou os terríveis acontecimentos. Este poema tem a força do grito que vem do fundo da sua alma.

11 março, 2010 23:57  
Blogger Frotalim escreveu...

Oi, estava procurando o poema dela, aquele que diz:
" esta aqui um homem negro de pé estendendo os braços laços cansados (...)"
tens o mesmo para postar aqui?
Desde ja obrigada

13 março, 2010 21:47  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Frotalim,
Lamento muito, mas não tenho o poema que deseja. Também não consegui encontrá-lo na Web. Será que ainda ninguém o colocou? Desculpe não poder satisfazer o seu pedido.

13 março, 2010 23:51  
Anonymous Frotalim escreveu...

Ok, nao ha problemas, vou continuar procurando, quando achar, te envio... ou ainda se nao achar, eu mesma arrumo um tempinho pra digitar... Beijinhos e fique bem

02 abril, 2010 11:37  

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