Os bordados de Castelo Branco
Duas colchas bordadas de Castelo Branco, pertencentes ao espólio do Museu de Francisco Tavares Proença Júnior, junto ao Jardim dos Arcebispos, em Castelo Branco (Fotos: António Veríssimo). Clicar nas imagens para vê-las ampliadas
Os bordados de Castelo Branco são uma das manifestações artísticas populares mais belas e ricas de significado que há em Portugal. São bordados feitos com fios de seda natural, de diversas cores, sobre pano de linho.
A origem destes bordados é desconhecida. O que se sabe, é que foi no séc. XVIII que a sua produção atingiu o auge. Nessa época, a indústria da seda conheceu em Portugal um grande incremento, por ação do Marquês de Pombal, que mandou criar fábricas de seda em diversas localidades do país, como Lisboa (onde está o Museu Árpád Szenes - Vieira da Silva, no Jardim das Amoreiras), Freixo de Espada à Cinta e outras. A cidade de Castelo Branco também deve ter beneficiado desta ação de Pombal. Por outro lado, a cultura do linho e a produção de tecidos feitos com as fibras desta planta eram, desde há muitos séculos, uma atividade económica muito importante para a região das Beiras.
No séc. XIX, registou-se uma decadência na produção de bordados de Castelo Branco, mas no séc. XX, felizmente, eles voltaram a ser produzidos, em maior quantidade e melhor qualidade, pelas mágicas mãos das senhoras albicastrenses. Atualmente, os bordados de Castelo Branco são apreciadíssimos, tanto em Portugal como no estrangeiro, e constituem uma "imagem de marca" e um motivo de legítimo orgulho para a cidade.
Os motivos decorativos dos bordados de Castelo Branco são muitos e de diversas origens. Aos motivos que pertencem à tradição local e aos que são de origem europeia em geral, vieram juntar-se outros, provenientes da Ásia, sobretudo da Índia, China e Irão. Basta olharmos para uma qualquer colcha de Castelo Branco para imediatamente repararmos no "ar" oriental que ela apresenta. Passo a copiar descaradamente o que o sítio na Internet da Câmara Municipal de Castelo Branco diz sobre os motivos dos bordados e o seu significado.
«(...) O Cravo aparece como elemento dominante, espalmado ou de lado, de pétalas separadas e rebordos denteados; é flor resistente, erecta, símbolo da provocação, da virilidade.
A peónia, o lótus, o crisântemo e o botão de ameixieira, muito populares na civilização chinesa, associadas respectivamente à Primavera, Verão, Outono e Inverno, são flores que vulgarmente podem ser observadas no Bordado. A Primavera é representada também pela magnólia. A peónia sugere ainda, a salvação, a castidade. O lótus, espécie de nenúfar azul, na iconografia budista chinesa significa pureza.
A túlipa, flor recorrente no Bordado de Castelo Branco, existia com abundância nos jardins palacianos do país, principalmente nos da corte, e sujeita a grande reserva para evitar que a sua popularização lhe retirasse o carácter aristocrático; tornou-se símbolo de riqueza e ostentação.
A representação dos motivos florais é imensa, numa variedade de formas que por vezes, de tão acentuadamente estilizadas e complexas, são difíceis de identificar, sugerindo, até, o resultado da sobreposição de várias espécies.
A Árvore da Vida é uma temática presente em numerosas religiões, associada à vida em perpétua ascensão para o céu; evoca todo o simbolismo da verticalidade. Muito utilizada no Oriente, em especial no Irão, é representada assiduamente entre dois animais afrontados. Identifica-se com a terra fértil das fiadas inferiores e associada ao vaso como símbolo da fecundidade. Presente nas tradições cristãs, simboliza a manifestação divina por analogia com a Árvore de Génesis e a Árvore da Nova Aliança, que regenera o Homem.
Nos Bordados de Castelo Branco a Árvore da Vida, quando ladeada pelas figuras de um homem e de uma mulher, deixa transparecer os sentidos da sobrevivência, da renovação da vida; se aparecer conjugada com o pavão, evoca a Eternidade e a Ressurreição. Caracteriza-se pela existência de um elemento central, assimétrico, que emerge de um conjunto de montículos, formados por diversos ramos ondulantes, revestidos de folhagens, flores e frutos, onde pousam aves coloridas. Nestes bordados o tema tem sido tratado de forma ingénua e criatividade notável, enriquecido com uma miscelânea de motivos exóticos e outros de graciosidade peculiar, provavelmente inspirados nas aves de criação doméstica e nos frutos dos quintais beirões.
A albadarra, termo árabe que significa vaso com duas asas, é um tema frequente no Bordado de Castelo Branco, tanto com a forma de elegante vaso de perfil compósito, como taça baixa e larga. Ligada ao vaso como símbolo da fecundidade, provavelmente inspirada na temática da Árvore da Vida de cariz oriental, aparece usualmente como contentor de um vistoso ramo de flores na zona central dos bordados ou colocada nas bissectrizes dos cantos. Surge também com frequência a preencher pequenos medalhões inscritos em toda a superfície da peça.
A representação de frutos é também recorrente, com um vasta variedade formal e, tal como na temática florística, existem situações em que dificilmente os motivos são reconhecidos. A romã surge com frequência, símbolo de prosperidade, abundância, liberalidade; na iconografia cristã corresponde à unidade da Igreja em Cristo, à conformidade, concórdia e união de vontades. Aplicada ao Bordado é tida como um significado amoroso na promessa de vida abundante.
Entre as espécies do reino animal registadas nestes bordados, além da rara presença da figuração do cavalo, do cão, do veado ou do leão, são as aves multicolores que pontificam com uma frequência assinalável. Impõem-se não só pássaros exóticos, mas também aves de capoeira, algumas claramente palmípedes de longo pescoço, papo largo e patas curvas, numa plêiade variadíssima com diferentes dimensões, mais ou menos identificáveis, por vezes criações únicas, e se bem que na maioria das tradições religiosas as aves são tidas como intermediárias entre a terra e o céu, numa intenção dirigida para a alma e para a ascenção, a cada um dos diferentes géneros cabe um significado específico.
A ave com duas cabeças, com destaque para a representação da águia bicéfala, surge nos Bordados de Castelo Branco provavelmente por influência oriental. É um motivo comum nos bordados indo-portugueses, em tecidos lavrados e estampados, na talha barroca dos altares, na pintura de brutescos, nas faianças, nos trabalhos em ferro; ilustra manifestações heráldicas; ao trazer um coração trespassado por setas é alusivo à ordem de Santo Agostinho. A duplicaçăo da cabeça exprime o reforço da sua autoridade mais do que real, soberania verdadeiramente imperial. Na religião cristã simboliza a Ressurreição.
As figuras humanas surgem em espécimes de composição simples, isoladas ou em pares, relacionadas com os sentidos do tacto, do olfacto e da audição. Nas situações personificadas por uma mulher e um homem observa-se uma nítida interacção entre o casal. De modelo para modelo não se verifica qualquer alteração significativa na indumentária, que mantém o gosto do século XVIII.
O coração, motivo predilecto no âmbito das artes tradicionais, entre o religioso e o profano, tem-se mostrado no peito das águias bicéfalas ou em harmonia com outros elementos. Na tradição moderna identifica-se com o amor profano, a caridade; enquanto amor divino, a amizade, a rectidão.
A concha marca a sua presença no Bordado especialmente nos remates das molduras do medalhão central e nas bissectrizes dos cantos. Num contexto barroco evoca o mar, o momento da Criação; é um dado oferecido à fantasia e ao devaneio.
O laço serve de ornamento às molduras do medalhão central ou a atar os pés de um ou de outro ramo; sugere a obrigação querida livremente pelas diferentes partes que se sentem unidas entre si; representa a adesão voluntária. (...)»
Fachada de um edifício em Castelo Branco, com motivos tradicionais dos bordados (Foto: Estrelas do Passado)
Comentários: 1
Primor de informação! Trabalhos lindos! Obrigada!
Girassóis nos seus dias.
beijos
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