Reflexões de Eduardo Lourenço
Eduardo Lourenço (Foto: Nelson Garrido)
Por um acaso, encontrei uma entrevista dada a Luís Miguel Queirós pelo pensador e ensaísta Eduardo Lourenço em 13 de maio de 2007. No que respeita aos assuntos propriamente políticos, a entrevista está bastante datada. Mesmo assim, parece-me que é de interesse destacar alguns excertos. A entrevista completa está disponível em http://static.publico.pt/docs/cultura/eduardolourenco/default.htm.
... eu ia perguntar se a sua obra, desde “O Labirinto da Saudade”, não passa também um pouco essa ideia de que o país sofre de uma espécie de bloqueio profundo, e não há volta a dar-lhe?
A história de Portugal é, de facto, singular. Os portugueses foram para todo o lado, mas nunca saíram, levaram a casinha com eles. (...)
(...) a nossa tendência é a de vivermos guetizados. Agora estamos todos, seja aqui ou na Patagónia, a ver o mesmo ecrã. É como o cosmonauta que viu a Terra de fora pela primeira vez. Só que agora a vemos na televisão ou na internet. No entanto, a verdade mais profunda é que a televisão serviu, sobretudo, para aproximar internamente o país. Vila Real e Bragança estão em Lisboa e vice-versa. O país está mais pequeno, mais compacto. Mas, ao mesmo tempo, há uma auto-guetização. Veja um acontecimento como o das qualificações académicas do primeiro-ministro, sem dimensão, sem interesse, nem dentro nem fora de fronteiras, mas que pode ocupar o país um mês inteiro – e ainda a procissão vai na praça. Isto numa altura em que se estão a passar no mundo coisas importantes, que interessam aos destinos da humanidade.
A televisão tem esta capacidade de estar em toda a parte, mas é um espelho que também nos pode reduzir à dimensão de um quarto de dormir. Estamos todos na mesma casa-de-banho. Continuamos numa ilha, agora com vistas para o mundo inteiro, mas que são só vistas. O que nos interessa mesmo é o que se passa cá em casa. Mais uma vez, o Eça ilustrou isto: “O que nos interessa é o pé da Luisinha”. (...)
Acha que a Europa não nos interessa?
A nossa entrada na Europa foi um acontecimento capital na história portuguesa moderna. Agora estamos na Europa, politicamente e comercialmente, a tempo inteiro. O nosso espaço é objectivamente o da Europa. As nossas empresas têm de ter uma dimensão europeia, se não afogamo-nos aqui e enfrentamos uma regressão que não poderemos suportar. Mas nem por isso conhecemos mais a Europa. Não é só Portugal. Os países continuam culturalmente muito em casa, separados não só por uma história de séculos, mas pelas suas diferentes línguas. E nada separa mais do que as línguas. Quantas mais línguas falamos, mais pátrias temos. E agora temos todos uma espécie de nova pátria, que é o inglês. (...)
As novas gerações têm agora essa leitura do mundo em inglês, para efeitos práticos. A alguns o inglês também lhes permitirá aceder a uma grande literatura. É uma coisa excelente. Como o foi o francês na minha geração. (...)
Não alinhou nas grande utopias políticas do século XX, mas, a julgar pelo que vem escrevendo, também não parece ver com bons olhos este mundo em que o sucesso económico é já quase o único ideal mobilizador.
Sim, essa é agora a regra imperativa, a título individual e colectivo. O mundo é uma Bolsa. E, portanto, o jogo político, que tinha uma dimensão própria, é hoje o subproduto de um jogo muito mais profundo e radical, que é o das forças de transformação da sociedade, que são de ordem económica, financeira e científica. São elas que comandam tudo o resto. A política, nas sociedades que se querem democráticas, é apenas a maneira de utilizar esses meios da maneira mais aceitável. Mas o ímpeto, o motor da civilização em que estamos, não tem nada de democrático em si mesmo. É uma força cega, como se fosse uma força da natureza, ainda que seja humana. O deus, a que as sociedades se referiam quando ainda havia uma referência transcendente, desapareceu, e estamos agora diante de fenómenos de dinâmica pura. Tudo passa pelos fins da máquina produtiva mundial, que se torna mais abstracta ainda por ser, fundamentalmente, do tipo financeiro. (...)
In Pública, suplemento do jornal Público, domingo, 13 de maio de 2007
Comentários: 5
Muito curiosas estas afirmações. E, quanto mais vemos e quanto mais reflectimos, mais somos levados a este tipo de conclusões.
Perante situações deste tipo, de ajustamento tectónico, deveríamos ter à frente dos destinos dos países e das grandes instituições gente culta, bem preparada, bons pensadores. E, no entanto, o que temos é o que de pior foi sobrando. Os piores dos piores (salvo raras excepções).
Não sei como se sai disto. Só pode ser com alguma convulsão.
Eu também não sei como se sai disto. Não vejo emergir nenhum estadista. Os países e a instituições têm à sua frente um arrepiante conjunto de pessoas medíocres, provincianas, carreiristas e servis. Não se aproveita ninguém.
Brilhantíssimo, obrigado por partilhar...
Brilhantíssimo, obrigado por partilhar...
Não tem de quê. Eu admiro a lucidez e a abertura de espírito de Eduardo Lourenço, embora também se engane, como não podia deixar de ser.
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