Peregrino e hóspede sobre a Terra
Meu único país é sempre onde estou bem
é onde pago o bem com sofrimento
é onde num momento tudo tenho
O meu país agora são os mesmos campos verdes
que no outono vi tristes e desolados
e onde nem me pedem passaporte
pois neles nasci e morro a cada instante
que a paz não é palavra para mim
O malmequer a erva o pessegueiro em flor
asseguram o mínimo de dor indispensável
a quem na felicidade que tivesse
veria uma reforma e um insulto
A vida recomeça e o sol brilha
a tudo isto chamam primavera
mas nada disto cabe numa só palavra
abstracta quando tudo é tão concreto e vário
O meu país são todos os amigos
que conquisto e que perco a cada instante
Os meus amigos são os mais recentes
os dos demais países os que mal conheço e
tenho de abandonar porque me vou embora
porque eu nunca estou bem aonde estou
nem mesmo estou sequer aonde estou
Eu não sou muito grande nasci numa aldeia
mas o país que tinha já de si pequeno
fizeram-no pequeno para mim
os donos das pessoas e das terras
os vendilhões das almas no templo do mundo
Sou donde estou e só sou português
por ter em portugal olhado a luz pela primeira vez
Ruy Belo (1933-1978), in Transporte no Tempo, 1973
Mural dedicado a Ruy Belo, no Jardim Municipal de Rio Maior, feito por Artur Ribeiro para assinalar o 80º aniversário do nascimento do poeta (Foto: Revista É Ribatejo) |
Comentários: 2
Conheci seu blog recentemente. E como não haveria de ser, venho buscar o calor de cada letra recitada aqui. Parabéns pelo excelente trabalho.
Fico muito desvanecido com as suas amáveis palavras. Muito obrigado. Tento fazer o melhor que posso.
Enviar um comentário