O pote de azeite
PAIO VAZ:
Pois Deus quer que pague e peite,
Tão daninha pegureira,
Em pago d’esta canceira
Toma este pote de azeite,
E vae-o vender á feira;
E quiçaes, medrarás tu,
O que eu comtigo não posso.
MOFINA MENDES:
Vou-me á feira de Trancoso
Logo; nome de Jesu,
E farei dinheiro grosso;
Do que este azeite render
Comprarei ovos de pata,
Que é a cousa mais barata,
Que eu de lá posso trazer.
E estes ovos chocarão;
Cada ovo dará um pato,
E cada pato um tostão,
Que passará de um milhão
E meio, a vender barato.
Casarei rica e honrada,
Por este ovo de pata,
E o dia que fôr casada
Sahirei ataviada
Com um brial de escarlata;
E diante o desposado
Que me estará namorando,
Virei de dentro bailando
Assi d’esta arte bailado
Esta cantiga cantando.
Estas cousas diz Mofina Mendes com o pote de azeite á cabeça, e andando enlevada no bailo, cae-lhe, e diz
PAIO VAZ:
Agora posso eu dizer
E jurar e apostar
Que és Mofina Mendes toda.
PESSIVAL:
E se ella baila na voda
Qu’está ainda por sonhar,
E os patos por nascer,
E o azeite por vender,
E o noivo por achar.
E a Mofina a bailar;
Que menos podia ser?
Vae-se Mofina Mendes, cantando:
MOFINA MENDES:
Por mais que a dita me engeite
Pastores, não me deis guerra;
Que todo o humano deleite
Como o meu pote de azeite
Hade dar comsigo em terra.
Gil Vicente (1465–1536?), in Auto de Mofina Mendes
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