10 junho 2016

O 10 de Junho no tempo do fascismo


10 de Junho — Inauguração do Estádio Nacional, um filme de António Lopes Ribeiro rodado em 1944


Foi provavelmente no dia 10 de junho de 1580 que o poeta Luís Vaz de Camões faleceu, razão pela qual a 10 de junho de cada ano é celebrado o Dia de Camões, tornado feriado nacional na década de 20 do século passado.

Após a implantação do Estado Novo, o ditador António de Oliveira Salazar quis dar um novo significado a este dia, que passou a chamar-se igualmente "Dia da Raça", fazendo dele um dia de exaltação do regime, das glórias do passado e da grandeza do Império Português.

Após o início da Guerra Colonial, mais concretamente a partir de 1963, o 10 de Junho passou essencialmente a ser um dia de homenagem às Forças Armadas Portuguesas. Nas cerimónias militares para esse fim organizadas, após o desfile das tropas em parada e dos discursos de circunstância, eram atribuídas as condecorações aos combatentes que mais se teriam distinguido no campo de batalha e era prestada homenagem aos mortos em combate. Este era o momento mais alto das comemorações, porque era o mais humano e o mais profundamente sentido.

Era pungente ver os rostos dos familiares dos militares mortos em combate, que compareciam às cerimónias para receber as condecorações a título póstumo. Viam-se rostos de pais e de mães de coração destroçado, rostos de mulheres muito jovens e tornadas já viúvas, rostos de crianças pequenas que não entendiam que todo o aparato militar que as rodeava significava que elas nunca mais voltariam a estar ao colo do pai. Enfim, viam-se rostos reais de um povo real, de um povo pobre, humilde e extraordinariamente sofredor, cujos filhos eram mandados como carne para canhão, fazer uma guerra a milhares de quilómetros de distância das suas famílias e das suas terras. Enquanto isso, os filhos dos dignitários do regime e dos detentores do poder económico escapavam à guerra, graças a uma rede de cunhas e de trocas de favores que chegavam a atingir os níveis mais altos da hierarquia militar.



Um pequeno excerto de um programa da série A Guerra, do jornalista Joaquim Furtado. Esta série tem vindo a ser retransmitida pela RTP Memória aos sábados, às 21 horas

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