Romance de D. Silvana ou do Conde de Alemanha
Estando a D. Silvana
Em uma grande agonia,
Acordou seu pai na cama,
Com o choro que fazia.
— Tu que tens, D. Silvana,
Tu que tens, ó filha mia?
— Das sete irmãs que nós somos
Já todas têm família.
E eu, que sou a mais formosa,
Sem me casar ficaria?
— Mas no meu reino não há
Ninguém que te merecia.
Já corri sete reinados,
Também lá os não havia.
Só o conde de Alemanha
Bem digno de ti seria.
— Mande-o chamar, meu pai,
Que esse bem me agradaria.
— Mas o Conde de Alemanha
É casado, tem família.
— Mande matar a condessa,
Que já livre ficaria.
Mandou-o El-Rei chamar,
Em missão de cortesia.
Passados alguns momentos,
O Conde à porta batia:
— Que deseja V. Alteza,
Que quer V. Senhoria?
— Que tu mates a Condessa,
Pra casar co’a filha mia,
E me tragas a cabeça
Nesta dourada bacia.
— A Condessa não a mato,
Que ela não o merecia.
— Mas mata-a e traz-me a cabeça
Nesta dourada bacia.
Regressou o Conde a casa,
Não falava nem comia.
Ao ver a sua tristeza,
A Condessa lhe dizia:
— Conta, Conde, Conta, Conde,
Conta-me a tua agonia.
— Vamos antes pró jardim,
Que eu aí te contaria.
Foram ambos pró jardim,
Nem um nem outro colhia.
— Conta, Conde, conta, Conde,
Conta-me a tua agonia.
— Vamos antes para a mesa,
Que eu aí te contaria.
Foram ambos para a mesa,
Nem um nem outro comia.
— Conta, Conde, conta, Conde,
Conta-me a tua agonia.
— Vamos antes para a cama,
Que eu aí te contaria.
Foram ambos para a cama,
Nem um nem outro dormia.
— Conta, Conde, conta, Conde,
Conta-me a tua agonia.
— El-Rei manda que te mate,
Pra casar co´a sua filha,
E levar a tua cabeça
Nesta maldita bacia.
— Não me mates querido Conde,
Não faças tal vilania.
Manda-me para meu pai,
Que ele me sustentaria.
— Mas El-Rei quer-te a cabeça
Nesta maldita bacia.
— Manda-me pôr numa torre
Que eu à fome morreria.
— Mas El-Rei quer-te a cabeça
Nesta maldita bacia.
— Manda chamar o barbeiro
Que me faça uma sangria.
— Mas El-Rei quer-te a cabeça
Nesta maldita bacia.
— Mata a nossa cadelinha
E manda-lha na bacia.
— Mas El-Rei é muito esperto
E logo descobriria.
— Deixa-me então despedir
Do meu querido jardim:
Adeus, cravos, adeus, rosas,
Adeus, flor do alecrim…
Venham agora os meus filhos,
Filhos do meu coração,
Que amanhã, por esta hora,
Comigo já não estarão.
Anda cá, filho mais velho,
Anda-me beijar a mão,
Que amanhã, por esta hora,
Outra mãe te arranjarão.
Anda cá, filho do meio,
Vou dar-te a minha bênção,
Que amanhã, por esta hora,
Já terás outra mansão.
Anda cá, filho mais novo,
Mama o leite da paixão,
Que amanhã por esta hora,
Já eu estarei no caixão.
Mama, mama, meu filhinho,
Este leite de amargura,
Que amanhã, por esta hora,
Já estarei na sepultura.
Tocam os sinos na Sé…
— Ai, Jesus, quem morreria?!
Responde o filho mais novo,
Que ainda falar não sabia:
— Morreu a D. Silvana,
Pela traição que fazia,
E o malvado do Rei,
Que também o merecia,
Por descasar bem-casados,
Coisa que Deus não queria!
Romanceiro popular, in Literatura Popular de Trás-os-Montes e Alto Douro, de Joaquim Alves Ferreira
Comentários: 2
Gostei de ler a poesia de um transmontano.
Amigo Catalo, muito obrigado pelo seu comentário. Esta poesia de sabor medieval é de um autor anónimo,certamente um homem ou uma mulher do povo que viveu há muitos séculos. É um poema da tradição oral, que o povo transmontano considera seu e que tem passado de pais para filhos. Um abraço.
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