A Maria Carmen Botto
Dizes que me acautele ao escrever-te
E que a verdade eu guarde só p’ra mim.
Mas esta vida, aqui, a ser assim,
É a morte a impedir-me de dizer-te
Como se morre a fingir que se é valente
Como se mata a pensar que se é herói.
Mas a cambada daí é o que mais dói
— Filhos da puta! — e diz-se boa gente.
Pedes-me cuidado no que escrevo
E que a verdade eu guarde só p’ra mim.
Guardá-la-ei aqui, escrevendo assim,
À espera das quatro folhas de um trevo
A encontrar na gleba da esperança.
Se alegre o Sol, que a Liberdade em flor,
Ceifando ódio e semeando amor,
Fará da vida sonhos de criança.
E a morte seja, o fim da era
Dessa cambada aí, que é o que mais dói.
— Filhos da puta que o tempo não destrói —
E a Liberdade a nova primavera!
(Quibala [Norte] — Angola, 5 de fevereiro de 1966)
A Maria Carmen Botto, de Lisboa, minha madrinha de guerra que tanto me ajudou com as suas generosas cartas.
Sérgio O. Sá, De Quibala a Malele (Norte de Angola). No Decorrer de uma Guerra, Edição de Autor, Porto, 2009
Aerograma do tipo usado pelos militares portugueses mobilizados na Guerra Colonial (Foto: Museu do Papel) |
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