As cunhadas do rei (conto popular português)
Uma pequena azenha no ribeiro de Enxidrô, um afluente do rio Bestança, nas proximidades de Vila de Muros e da Quinta do Sargaçal, Cinfães (Foto: Associação Por Boassas)
O rei andava de noite pelas ruas acompanhado do seu cozinheiro e do seu copeiro disfarçado, escutando pelas portas; passou por um balcão onde estavam três meninas, que estavam conversando, e pôs-se à escuta do que diziam:
— Ali vão três tunantes; se um fosse o rei, já eu sabia quem eram os outros.
— Um era o cozinheiro. Quem me a mim dera casar com ele; sempre havia de comer bons fricassés.
— O outro era o copeiro; pois eu cá o que queria era casar com ele, porque havia de ter bons licores.
Disse a mais nova:
— Eu não sei quem eles são; mas ainda que fossem condes ou duques, antes queria casar com o rei, porque lhe havia de dar três meninos cada um com a sua estrela de ouro na testa.
O rancho foi-se embora, mas ao outro dia, o rei mandou ir à sua presença as três irmãs. Perguntou-lhes se era verdade o que elas tinham dito na véspera à noite. Respondeu a mais velha por si. Disse o rei:
— Pois então casarás com o meu cozinheiro.
A do meio tambem disse que tinha falado por zombaria; o rei mandou que se arrecebesse com o copeiro. Chegou-se por fim à mais moça, que era a mais bonita:
— Então, disseste que só querias casar comigo?
— É verdade, não posso mentir; mande-me vossa majestade castigar.
O que o rei fez foi casar com ela; as irmãs ficaram a arrebentar de inveja, mas viviam no palácio. Ao fim do tempo, a que estava rainha teve dois meninos com uma estrelinha na testa. As irmãs, que estavam com ela, trocaram os meninos por dois cães. Os meninos foram botados ao rio dentro duma condessinha, e foram por água abaixo ter ao moinho de um moleiro; como lhe parasse a água, ele saiu a ver o que era, e achando as duas criancinhas tomou-as para casa e criou-as. Ora o rei andava longe da terra, e quando veio soube do caso e ficou muito triste, mas não fez mal à mulher. Passado tempo a rainha teve uma menina, e as irmãs, vendo que ela também tinha uma estrela na testa, trocaram-na por uma cadelinha e mandaram-na deitar ao rio; assim foi ter ao moinho onde já estavam os irmãos. O rei quando soube que a sua mulher tinha tido uma cadela, mandou-a enterrar até á cinta no pátio do palácio, para que todos que entrassem ou saissem lhe cuspissem em cima.
Os três meninos cresceram, e o moleiro pôs-lhes umas carapucinhas para encobrir as estrelas de ouro que tinham na testa.
Um dia foi uma pobre pedir esmola à porta do moleiro; os meninos deram-lhe a esmolinha, e era Nossa Senhora, que lhe disse, que quando se vissem em alguma aflição dissessem: «Valha-me aquela pobrezinha.» Veio a peste, e o moleiro e toda a sua gente morreu, e os meninos foram todos três por esse mundo. Apareceu-lhe a pobre que os guiou até ao pé do palácio do rei, e deu-lhes a cada um a sua pedrinha, para se tornarem em um grande palácio quando as atirassem ao chão.
As tias estavam à janela do paço, e conheceram que eram os meninos das estrelinhas na testa, e trataram logo de ver se os matavam. Mandaram ter com eles uma criada bruxa, que disse ao mais novinho, para entrar no jardim e apanhar um papagaio. Ele disse-lhe que não; vai o mais velho como animoso, disse:
— Pois vou eu.
E assim que entrou perdeu-se lá dentro e ficou encantado em leão. O outro quando viu que o irmão não tornava chamou pela pobrezinha; ela veio e deu-lhe uma lança, e disse:
— Vai ao jardim, e fere com ela o leão encantado.
Ele assim fez; e apareceu-lhe logo outra vez o irmão, que já tinha apanhado o papagaio. Botaram a fugir logo, e os portões do jardim fecharam-se de repente e só apanharam uma pontinha da aba do casaco de um deles.
A criada bruxa tinha no entretanto ido ter com a menina, e falou-lhe em certas maravilhas da árvore que bota sangue e da água de mil fontes. A menina pediu aos irmãos estas cousas, que eram para enfeitar os jardins do seu palácio. Cada um foi lá por sua vez e lá ficaram ambos encantados. Quando a menina viu que não tornavam, disse muito triste:
— Valha-me aqui a nossa pobrezinha.
Apareceu-lhe a Nossa Senhora, que lhe ensinou como havia de ir ao jardim, e desencantar os irmãos, e enfrascar a água de mil fontes e cortar o ramo da árvore que deitava sangue. Ela fez tudo, mas era preciso, que por mais barulho que ouvisse nunca olhasse para trás, senão ficava também encantada. Quando vinha com os irmãos e com as cousas que eles tinham ido buscar, era muito o barulho de vozes e só ao sair da porta é que deu um jeitinho à cabeça para ver para trás, mas foi o bastante para lhe ficarem presos os cabelos. Os irmãos foram buscar umas tesouras, e voltaram depois todos para o seu palácio defronte do rei.
Quando o rei aparecia à janela o papagaio não fazia senão rir. O rei convidou os meninos para um banquete e pediu que levassem o papagaio. Os meninos foram, mas ao passarem pela mulher que estava enterrada até á cinta não quiseram cuspir nela. O rei teimou, mas não conseguiu nada. Foram para a mesa; uma das irmãs da rainha é que trinchava, e tinha botado resalgar na sopa dos meninos. O papagaio avisou-os:
— Meninos, não comam que tem veneno.
O rei ficou desconfiado, e perguntou aos meninos porque não comiam; disseram eles:
— Falta aqui uma pessoa; é aquela mulher que está enterrada até à cinta no pátio do palácio.
Disse o papagaio:
— Mande-a o rei vir, porque ela é a mãe destes meninos.
O rei mandou vir a mulher; disse-lhe o papagaio:
— Sente-a agora ao seu lado; olhe que ela é sua mulher.
E contou como é que as cunhadas do rei tinham mandado botar ao rio em canastrinhas os três meninos, e tinham posto em seu lugar os cães; e se se quisesse confirmar, que visse se os meninos tinham na testa as estrelinhas. Os meninos tiraram as carapucinhas, e o rei conheceu-os, e abraçou a sua mulher; e mandou que as cunhadas comessem a comida envenenada, e logo ali arrebentaram.
Conto tradicional de Airão, Guimarães, in Contos Tradicionais do Povo Português, por Teófilo Braga (1843–1924)
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