17 dezembro 2018

Nudez e dignidade


Duas senhoras indígenas do Brasil, em fotografia publicada por Yakuna Ullillo Ikpeng na sua página nas redes sociais. Esta fotografia foi objeto de vários comentários, feitos quase todos por indígenas cuja língua não é o português, de entre os quais destaco os seguintes:
Máfrãn Opll Ikpe Grandes Guerreira que lutaram para criar filhos como futuro defensores seus diretor...Agradeço pelas lutas....Mesmo as recordações dos momento estando presente em nossas memórias...Seram eternas avós....Sdds vós!
Américo Ikpeng São duas guerreiras que estão sempre comigo, nenhum momento deixo de pensar nelas! Não esqueça dos conselhos, sofrimento, eu pessoas que peço todas as noite para cuidar de mim. São pessoas com quem converso nas noites, são quem me dão forças para lutar po Pelo meus objetivos. Onde quer que estejam sempre saberão que aqui terra tem um neto com muito saudade delas!
Anna Terra Yawalapiti São muito lindas e com certeza foram muito especiais....
Wr Ikp Yahati Saudade e o sinal do corpo que quer voltar a viver do lado da pessoa que amamos
Joey Amtenu Mary Ikpeng Passaram a vida enteira cuidando de nós e hoje só deixaram saudade e lembrança boas na nossa vida!! Saudade de vc tia , vc foi tudo como mãe e sempre será!!


Alguns dos povos aparentemente mais despidos do mundo são de facto extremamente pudicos. Por exemplo, os membros de um certo número de tribos da Amazónia andam nus, a não ser com um fio à cintura. Em algumas delas, os homens amarram o seu prepúcio ao fio, de modo a que o pénis esteja sempre levantado e encostado à sua barriga (o que tem o efeito — desejado — de dissimular as ereções). Um índio ficaria tão envergonhado se fosse visto sem o seu fio, como ficaria um sonâmbulo que acordasse nu numa rua de uma cidade. Mesmo as meninas pequenas, "vestidas" apenas com um fio, são frequentemente avisadas para se sentarem com as suas pernas unidas, a fim de manterem a decência.

Os homens Yanomami, tal como os de outros povos indígenas da Amazónia, usam tradicionalmente o pénis levantado por um fio. (Foto: Claudia Andujar)

A vergonha relativamente à nudez está imbuída no espírito de muitas pessoas, embora nem sempre se aplique às mesmas partes do corpo. Por exemplo, há correntes do Islão que exigem que o cabelo das mulheres seja mantido coberto, tal como faziam algumas cristãs no passado (é por isso que a rainha de Inglaterra usa um chapéu quando vai à igreja!). Algumas tribos do mundo muçulmano também aplicam a regra: o cabelo das mulheres não é para ser mostrado publicamente.

Os seios das mulheres, por outro lado, são livremente mostrados em muitos lugares. Por exemplo, as mulheres Emberá, da Colômbia, andam de peito descoberto, mas devem conservar os lados das suas coxas tapados. Um fato de banho ocidental seria considerado indecente por elas.

Uma camponesa Mucubal ou Kuvale, da província do Namibe, Angola. Para a generalidade das camponesas do sudoeste de Angola, e não só, não é indecoroso andar com os seios descobertos; o que é indecoroso é andar com o traseiro descoberto. (Foto: Selma Fernandes)

A visão errada de que a nudez tribal fomenta a licenciosidade era comum entre os missionários do séc. XIX e ainda não desapareceu. Por outro lado, alguns ocidentais liberais aprovam a falta de roupas de algumas tribos, pensando que tal significa que são livres de inibições. Ambos os lados estão errados: não só os povos tribais não estão nus aos seus próprios olhos, mas também as suas regras e convenções, sobre quem pode ter relações sexuais com quem, são frequentemente observadas de modo muito mais rigoroso do que no Ocidente.

Índias Yawalapiti, Parque Indígena do Xingu, MT, Brasil (Foto: Emerson Penha)

Apesar de tudo isto, um dos princípios nucleares do esforço missionário era, e continua a ser, vestir os indígenas nus. Este simples preconceito veio a ser uma das armas mais mortíferas do colonialismo. As roupas foram um importante veículo de doenças fatais, que mataram mais indígenas do que qualquer outra coisa, causando a morte, talvez, de milhões deles por todo o mundo. Há vários relatos que afirmam que foram deliberadamente distribuídas roupas e mantas infetadas com germes mortíferos, em especial da varíola, por indígenas das Américas. Há um caso comprovado para justificar esta afirmação: em 1763, um oficial britânico fez com que um par de mantas, que tinham sido usadas por vítimas da varíola, fosse parar às mãos dos índios que cercavam o seu forte, no que é agora a cidade norte-americana de Pittsburgh. A guerra biológica tinha sido praticada na Europa e no Médio Oriente desde a antiguidade clássica e parece haver razões para acreditar que possa ter sido usada também para a destruição dos índios americanos. Seja como for, mesmo que as roupas não tenham sido contaminadas de propósito, elas foram um instrumento de morte.

Os povos das florestas equatoriais que tenham sido recentemente expostos a vírus novos (para eles), tais como os simples vírus da gripe e da constipação, acabam por ficar apáticos, sem saberem como reagir. Se uma comunidade inteira for afetada, as pessoas muitas vezes deixam de procurar comida e ficam cada vez mais fracas. O ciclo pode rapidamente degenerar em pneumonias fatais, agravadas pelo uso de roupas húmidas e por lavar.

É claro que o vestuário pode ser uma marca de identidade tribal ou de grupo, de nível social ou de profissão, tal como o podem ser os penteados, as pinturas corporais, as joias e as tatuagens e escarificações. Tudo isto pode ser usado como um simples meio de embelezamento e nada mais. Os membros de povos tribais preocupam-se com a sua aparência tanto como as outras pessoas, em particular se alguma festa estiver a ser planeada ou se quiserem chamar a atenção de alguém (relacionada muitas vezes com sexo, é claro). Os homens Maasai podem gastar mais tempo a cuidar do seu elaborado penteado, do que uma adolescente de Berlim que se prepare para sair para uma noitada.

Homem Maasai, Lago Natron, Tanzânia (Foto: Massimiliano Orpelli)

Muita da ornamentação usada pode não ter um significado profundo mas, mesmo assim, o que ela exprime parece existir desde a mais remota pré-história. Têm sido encontradas contas de colares com dezenas de milhares de anos, e há todos os motivos para pensar que o simples embelezamento pode ter antecedido outras razões mais "práticas" para o uso de vestuário. Parece que todos aqueles que, como eu, não entendem a importância do uso de acessórios de beleza estão simplesmente errados!

Também deve salientar-se que o conceito de "estilos de penteado" inclui igualmente os pelos do corpo. Os homens de algumas tribos têm pouquíssimos pelos; quando muito, possuem uma escassíssima barbicha. Tanto os pelos púbicos como os da cara podem ser rapados com madeira rija ou pedra, atualmente com máquinas de barbear, ou simplesmente arrancados. Na verdade, o que as pessoas fizerem com o seu cabelo e com os seus pelos é tão importante como o facto de usarem ou não roupas. É claro que isto também se aplica a muitos ocidentais, qualquer que seja o seu sexo. (...)


Stephen Corry, Tribal Peoples for Tomorrow's World


Os homens de alguns povos nilóticos da Etiópia, Sudão do Sul e Sudão costumam andar nus e depilados, mas pintam frequentemente o seu corpo (Foto de autor desconhecido)

Comentários: 0

Enviar um comentário