O Apocalipse de Lorvão
O antigo mosteiro de Lorvão, Penacova (Foto: Andarilho)
A segunda vinda de Jesus Cristo: “Eis que vem com as nuvens, e todo o olho o verá, até os mesmos que o traspassaram; e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Sim. Amém. Eu sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim, diz o Senhor, que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso.” (Apocalipse, I, 7-8)
Ceifa e Vindima: “E olhei, e eis uma nuvem branca, e assentado sobre a nuvem um semelhante ao Filho do homem, que tinha sobre a sua cabeça uma coroa de ouro, e na sua mão uma foice aguda. E outro anjo saiu do templo, clamando com grande voz ao que estava assentado sobre a nuvem: Lança a tua foice, e sega (…) E saiu do templo, que está no céu, outro anjo, o qual também tinha uma foice aguda. E saiu do altar outro anjo, que tinha poder sobre o fogo, e clamou com grande voz ao que tinha a foice aguda, dizendo: Lança a tua foice aguda, e vindima os cachos da vinha da terra (…) E o lagar foi pisado fora da cidade, e saiu sangue do lagar até aos freios dos cavalos, pelo espaço de mil e seiscentos estádios.” (Apocalipse, XIV, 14-20)
A abertura do sexto selo: “E vi quando abriu o sexto selo, e houve um grande terramoto; e o Sol tornou-se negro como saco de cilício, e a Lua toda tornou-se como sangue.” (Apocalipse, VI, 12)
O Mistério das Sete Estrelas
Visão do Cordeiro e dos quatro seres: “E havia diante do trono um como mar de vidro, semelhante ao cristal. E no meio do trono, e ao redor do trono, quatro animais cheios de olhos, por diante e por detrás. E o primeiro animal era semelhante a um leão, e o segundo animal semelhante a um bezerro, e tinha o terceiro animal o rosto como de homem, e o quarto animal era semelhante a uma águia voando. (…) E olhei, e eis que estava no meio do trono e dos quatro animais viventes e entre os anciãos um Cordeiro, como havendo sido morto, e tinha sete pontas e sete olhos, que são os sete espíritos de Deus enviados a toda a terra. (…) E olhei, e ouvi a voz de muitos anjos ao redor do trono, e dos animais, e dos anciãos; e era o número deles milhões de milhões, e milhares de milhares, que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças.” (Apocalipse, IV, 6-V, 12)
Os quatro cavaleiros do Apocalipse: “E, havendo o Cordeiro aberto um dos selos, olhei, e ouvi um dos quatro animais, que dizia como em voz de trovão: Vem, e vê. E olhei, e eis um cavalo branco; e o que estava assentado sobre ele tinha um arco; e foi-lhe dada uma coroa, e saiu vitorioso, e para vencer. E, havendo aberto o segundo selo, ouvi o segundo animal, dizendo: Vem, e vê. E saiu outro cavalo, vermelho; e ao que estava assentado sobre ele foi dado que tirasse a paz da terra, e que se matassem uns aos outros; e foi-lhe dada uma grande espada. E, havendo aberto o terceiro selo, ouvi dizer o terceiro animal: Vem, e vê. E olhei, e eis um cavalo preto e o que sobre ele estava assentado tinha uma balança em sua mão. (…) E, havendo aberto o quarto selo, ouvi a voz do quarto animal, que dizia: Vem, e vê. E olhei, e eis um cavalo amarelo, e o que estava assentado sobre ele tinha por nome Morte; e o inferno o seguia; e foi-lhes dado poder para matar a quarta parte da terra, com espada, e com fome, e com peste, e com as feras da terra.” (Apocalipse, VI, 1-8)
A Mulher no Sol e o Dragão: “E viu-se um grande sinal no céu: uma mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. (…) E viu-se outro sinal no céu; e eis que era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez chifres, (…) E a sua cauda levou após si a terça parte das estrelas do céu, e lançou-as sobre a terra; (…) E deu à luz um filho homem que há de reger todas as nações com vara de ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono.(…) E houve batalha no céu; Miguel e os seus anjos batalhavam contra o dragão, e batalhavam o dragão e os seus anjos; (...). E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, (…) E, quando o dragão viu que fora lançado na terra, perseguiu a mulher que dera à luz o filho homem. (…) E a serpente lançou da sua boca, atrás da mulher, água como um rio, para que pela corrente a fizesse arrebatar.” (Apocalipse, XII, 1-15)
Lorvão é uma vila do concelho de Penacova, distrito de Coimbra, onde existe um mosteiro que é tão antigo, que não se sabe ao certo a data da sua fundação. A data que é aceite como sendo a mais provável é o final do séc. IX, mas há quem diga que o mosteiro foi fundado muito tempo antes, ou seja, no séc. VI.
O mosteiro de Lorvão foi um centro religioso muito importante durante a Idade Média, incluindo o período de tempo em que a região de Coimbra esteve ocupada pelos Árabes, os quais permitiram que os cristãos pudessem continuar a professar a sua fé. A cidade de Coimbra foi mesmo um importante centro de cultura moçárabe, isto é, de cultura cristã de expressão árabe.
O mosteiro de Lorvão foi masculino até ao ano 1206 e feminino a partir de então e até à sua extinção, quando faleceu a sua última monja em 1887.
De entre as produções saídas do mosteiro de Lorvão, destaca-se um manuscrito iluminado particularmente notável, o chamado "Apocalipse de Lorvão". Este manuscrito data de 1189 e encontra-se atualmente no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, para onde foi levado por Alexandre Herculano no séc. XIX, com autorização das freiras.
Ao contrário do que se poderia pensar, o chamado "Apocalipse de Lorvão" não é uma edição do livro do Apocalipse, o último livro da Bíblia escrito pelo apóstolo S. João, que foi o discípulo predileto de Jesus. Para quem não é crente, o Apocalipse bíblico é uma obra-prima da literatura fantástica, que merece ser lida como tal, mas nada mais do que isso. Para quem é crente, porém, o livro do Apocalipse é sobretudo uma profecia, que contém uma antevisão do fim do mundo, descrito em termos tão obscuros e simbólicos que carecem de explicação. O chamado "Apocalipse de Lorvão" procura então dar-nos uma tal explicação, reproduzindo os comentários que sobre o assunto foram feitos pelo beato Liébana das Astúrias, que viveu no séc. VIII. O chamado "Apocalipse de Lorvão" é uma das 23 cópias que se conhecem dos Comentários do beato Liébana e foi escrito e iluminado por um monge beneditino de Lorvão chamado Egeas.
Como foi dito, o original do "Apocalipse de Lorvão" encontra-se depositado na Torre do Tombo. No ano 2003, a editora espanhola Patrimonio, de Valência, editou-o em fac-simile, numa publicação de luxo de 999 exemplares numerados. Esta é a única reprodução em papel que se conhece desta obra. No entanto, o original foi todo digitalizado e colocado na Internet de forma gratuita, podendo ser consultado no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo através do endereço https://digitarq.arquivos.pt/details?id=4381091. Não dá jeito nenhum ver o "Apocalipse de Lorvão" num computador, e muito menos ainda num telemóvel ou tablet, mas é o que há. A seguir reproduzem-se algumas das notáveis iluminuras do "Apocalipse de Lorvão", atribuídas a Egeas.
Comentários: 3
Interessantíssima publicação, Fernando!
Abraço!
Muito obrigado, Maria João. Se retirarmos todos os elementos religiosos, fantásticos e decorativos das iluminuras do "Apocalipse de Lorvão", fica-nos um retrato fiel de Portugal no tempo de D. Afonso Henriques. A iluminura sobre a ceifa e a vindima, então, mostra-nos como era a vida rural naquela época com um rigor extraordinário.
Tem razão, Fernando; a iluminura da ceifa e da vindima é lindíssima! Aumentei-a para a poder ver em pormenor!
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