Carta de uma mãe ao seu filho soldado na guerra colonial
Transcrição literal, incluindo os erros de ortografia.
10 de Dezembro de 1969
Recordação da Saudade
Meu filho a tua mãe
Tanto suspira por ti
Até chego a pensar
Que não te lembras de mim
Se tu soubesses meu filho
O amor que a tua mãe te tem
Vejo vir os aviões
E notícias tuas não vêm
Será que tu me esqueces-te
Ou a carta se perdeu
Mas perdoa-me meu amor
Se a creminosa sou eu
Tinha a carta quase feita
E ainda fui ao correio
Agora estou satisfeita
Porque a notícia já veiu
Lá vinha o meu querido filho
A ler o que me mandava
Com uma cara de riso
E eu com saudades chorava
Agora estou satisfeita
Assim como tu também
Já recebes-te notícias
Da tua mãe por alguém
Adeus meu filho querido
Eu do coração te peço
Que não esqueças a tua mãe
Que aguarda o teu regresso
Trago-te no coração
Mas ando sempre em cuidados
Daqui mando um forte abraço
Para todos os nossos soldados
Eu aqui peço a Deus
E á Virgem Santa Maria
Que seja a vossa protectora
E de todos a vossa guia
Adeus amor que eu cá fico
Com o coração em pedáços
E saudades de não te ver
Para te apertar nos meus braços.
O Que Fez Uma Mãe Dominada Pela Dor.
Leopoldina Duarte
Militares na guerra colonial. Neste caso, são elementos da Companhia de Artilharia 3451, do Batalhão de Artilharia 3860, fotografados, talvez, na Serra de Mucaba, no norte de Angola (Foto: Luis Cabral)
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Um comovente poema de amor... não encontro mais palavras que possam fazer sentido depois de o ler.
Abraço!
Minha amiga Maria João,
Na minha qualidade de alferes miliciano atirador, no norte de Angola, tive sob o meu comando direto um grupo de combate constituído por vinte e tal jovens como eu. (Nas muitas operações militares que fiz, comandei duas, três e quatro vezes mais, mas isto já é outro assunto).
Depois do jantar, no quartel do mato onde eu estava colocado, eu ia sempre à caserna dos meus soldados para verificar se estavam todos bem. A seguir, enquanto eles se deitavam, eu vinha cá para fora, para a parada, e começava a pensar na confiança que eles tinham em mim como seu comandante, e em como eu não podia trair esta confiança, acontecesse o que acontecesse. Pensava também nos seus familiares e amigos, que ansiavam que eles regressassem sãos e salvos daquela guerra. Então eu angustiava-me, andando incessantemente para trás e para a frente e fumando cigarros atrás de cigarros. Eu imaginava, por exemplo, as mães deles a rezarem e a fazerem promessas a Nossa Senhora de Fátima, no caso das mães dos soldados portugueses, ou a Nossa Senhora da Muxima, no caso das mães dos soldados angolanos, e a angústia que eu então sentia era de enlouquecer. É claro que acabei por me ir abaixo e tive que ir à consulta de Psiquiatria com um esgotamento. Felizmente foi só um esgotamento e acabei por recuperar.
A respeito da fotografia que ilustra este post, ela dá uma ideia de como era a progressão de uma coluna militar apeada na mata do norte de Angola. O que se vê na fotografia é uma coluna militar numa clareira, por sinal bastante aberta, pois a selva africana é de uma densidade incomparavelmente maior do que a que se vê. A selva é uma catedral vegetal de proporções indescritíveis. Não encontro fotografias que consigam dar uma pequena ideia, sequer, de como ela é de facto. Só estando mergulhado nela se consegue saber.
Um reparo tenho a fazer a respeito dos militares na fotografia: eles estão muito juntos, quase colados uns aos outros. Como comandante operacional, eu não permitia uma tão grande proximidade entre os militares à minha responsabilidade. Assim como se vê na fotografia, se algum soldado tiver o infortúnio de pisar uma mina terrestre, não será só ele a vítima; também serão vítimas os seus camaradas mais próximos, sem necessidade nenhuma. Impunha-se que eles seguissem muito mais espaçados do que na imagem. Não os censuro, pois uma tão grande proximidade é uma reação instintiva, porque numa situação de perigo as pessoas tendem a juntar-se, procurando refúgio e conforto junto dos seus semelhantes. Neste caso, era preciso contrariar o instinto. Eu estava sempre a fazer sinais aos meus subordinados para que se distanciassem mais uns dos outros, mas eles pouco depois já estavam a aproximar-se outra vez. Não era desobediência, era instinto.
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