Natal de 2023
Um ícone de viagem, de um autor anónimo da Etiópia (Foto: internativities.com)
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LITANIA PARA ESTE NATAL (1967)
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Num sótão num porão numa cave inundada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Dentro de um foguetão reduzido a sucata
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Numa casa de Hanói ontem bombardeada
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Num presépio de lama e de sangue e de cisco
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para ter amanhã a suspeita que existe
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Tem no ano dois mil a idade de Cristo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Vê-lo-emos depois de chicote no templo
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
E anda já um terror no látego do vento
Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto
Para nos vir pedir contas do nosso tempo
David Mourão-Ferreira (1927–1996)
NOTA — Para que este poema de 1967 mantenha toda a sua atualidade neste ano de 2023, basta substituir a palavra Hanói pela palavra Gaza.
Comentários: 2
Assim fiz, Fernando; substituí Hanói por Gaza...
Mas porque não passo de uma frágil humana que há setenta e um anos vê, quando este dia se aproxima, acenderem-se as luzes da cidade ou da vila e ouve cânticos vindos de todas as janelas e portas... Feliz Natal apesar de todos os pesares!
Um abraço!
Obrigado, Maria João. Continuação de Boas Festas para si também.
Lembrei-me agora da "Ode à Paz", de Natália Correia, que já publiquei aqui no blog, mas passo a repetir:
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
deixa passar a Vida!
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