20 fevereiro 2024

A um poeta

Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno,

Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares…
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno…

Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções…
Mas de guerra… e são vozes de rebate!

Ergue-te pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate!

Antero de Quental (1842–1891)


(Foto de autor desconhecido)

Comentários: 2

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

É curioso como vou conhecendo bem a escrita dos grandes sonetistas, vivos ou não... Mal li os primeiros versos, com o resto do poema ainda fora do meu campo de visão, disse para comigo mesma. - Antero. Este é de Antero.
E era :)

Um abraço, Fernando!

20 fevereiro, 2024 12:56  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

A Maria João sabe mais destas coisas a dormir, do que eu acordado. Se eu não soubesse que este soneto é de Antero de Quental, nunca seria capaz de adivinhar. Apenas saberia dizer que é do séc. XIX, e já era muito! Parabéns!

Um dia, o já falecido poeta (e também pintor) Mário Cesariny, que vivia em Lisboa, comunicou a alguns amigos seus que iria fazer uma viagem aos Açores. Nunca tinha ido aos Açores e fazia muita questão em ir lá. Mesmo muita questão. Os amigos perguntaram-lhe que ilhas é que ele tencionava visitar. «Só S. Miguel», respondeu o Cesariny. Os amigos, então, fizeram-lhe as recomendações do costume: «Visita isto, visita aquilo, vai aqui, vai acolá...»

O Cesariny lá foi aos Açores e voltou. Quando se reencontrou com os amigos, estes perguntaram-lhe: «Então? Gostaste? Foste à Lagoa das Sete Cidades? Comeste o cozido das Furnas?»

Não, o Cesariny não comeu o cozido das Furnas, nem foi à Lagoa das Sete Cidades. Contou ele que se dirigiu ao cemitério de Ponta Delgada, para depositar um ramo de flores no túmulo de Antero de Quental. A seguir, foi sentar-se no banco de jardim onde Antero se tinha suicidado, para meditar sobre a sua vida e a sua obra. E regressou a Lisboa.

Perante o ar espantado dos amigos, que deviam estar a pensar que os poetas têm todos um parafuso a menos, o Cesariny explicou que tinha uma admiração sem limites por Antero de Quental. Tanto, que jurou a si mesmo que haveria de ir a Ponta Delgada, expressamente para lhe render um homenagem pessoal. Foi isso o que ele foi fazer e nada mais lhe interessava.

22 fevereiro, 2024 02:19  

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