10 fevereiro 2024

As propriedades térmicas do cabelo


(Foto de autor desconhecido)

Certamente ninguém duvida de que o cérebro é o órgão mais importante do ser humano. É ele que controla quase tudo o que diz respeito ao funcionamento do organismo e à interação deste com o mundo que o rodeia, auxiliado pelo cerebelo. Só os movimentos reflexos escapam ao controle do cérebro e do cerebelo. A importância do cérebro é tal que, apesar de só corresponder a 2% da massa corporal, ele consome cerca de 20% de toda a energia do organismo, que lhe é fornecida através da alimentação.

Disse o químico francês Lavoisier: «Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma». Esta afirmação também é verdadeira para o consumo de energia. Quando uma dada quantidade de energia é consumida, onde quer que seja, ela não desaparece; apenas se converte noutra forma de energia, sobretudo calor. Assim, quando o cérebro consome energia para funcionar, ele aquece, e aquece tanto, que a sua temperatura pode chegar a ser superior em mais de 2 o C relativamente à do resto do organismo, que é, como se sabe, de perto de 37 o C. Todo este calor gerado no cérebro precisa de ser escoado, para que não haja um sobreaquecimento.

Uma das formas de escoar o calor gerado pelo funcionamento do cérebro pode consistir na irradiação térmica através de um crânio glabro. Em tempo frio, esta forma de escoar o calor é realmente eficaz, e até será demais, se o frio for intenso. Mas se uma cabeça nua estiver ao sol num dia de verão, como é que o calor poderá ser escoado?

Relativamente às restantes espécies de mamíferos, a Natureza reduziu consideravelmente a pilosidade de quase toda a superfície corporal da espécie Homo Sapiens, que ficou com quase toda a sua epiderme a descoberto. Uma das exceções a esta escassa pilosidade é a cabeça da maior parte dos indivíduos, que conserva uma pilosidade abundante, que é o cabelo. Que a existência de cabelo constitui uma vantagem no tempo frio, parece evidente. O que não se sabia, mas se descobriu agora, é que o cabelo também pode ajudar a arrefecer a cabeça no tempo quente, e não é só por funcionar como uma espécie de chapéu, contra a incidência dos raios solares diretos.

Todos os fios de cabelo têm a mesma textura, independentemente de possuirem mais ou menos pigmentos, de serem mais finos ou mais grossos ou de a sua secção ser circular ou elíptica. Seja liso, encaracolado ou crespo, todo o fio de cabelo é composto por três partes fundamentais: uma medula, no seu centro, rodeada por um córtex, que lhe confere resistência mecânica, e uma capa exterior de células achatadas, em camadas semelhantes a telhas, chamada cutícula. A cutícula é atravessada por pequeninos poros, que têm um diâmetro tal que favorece a passagem de radiação infravermelha em ambos os sentidos.

A parte mais espessa do fio de cabelo é o córtex. É nele que se encontra a melanina, entre outros compostos químicos, assim como pequenas bolsas de ar. Além de dar cor ao cabelo e à pele, a melanina é um pigmento escuro que absorve as radiações eletromagnéticas que vão desde as radiações ultravioletas até às infravermelhas. No caso da melanina presente no cabelo, a radiação que mais importa estudar é a dos raios infravermelhos que veiculam o calor.

Este não é o momento para se falar do princípio da radiação do corpo negro, a não ser para se dizer que é este o princípio que nos permite associar a energia térmica à radiação infravermelha, na gama de temperaturas que permitem a existência de vida na Terra. É com base neste princípio, por exemplo, que funcionam as câmaras de visão noturna, que mesmo na mais completa escuridão são capazes de nos dar a ver uma cena, como se houvesse luz visível. Os corpos e objetos a diferentes temperaturas emitem radiações infravermelhas e os sensores das câmaras de visão noturna recebem e convertem estas radiações em luz visível, para que possamos visualizar a cena.

Se quisermos analisar o comportamento do cabelo no que diz respeito à absorção ou à dissipação de calor, deveremos então estudar este comportamento relativamente às correspondentes radiações infravermelhas. Foi isto o que fizeram o cientista sul‑coreano de materiais Gunwoo Kim e alguns colegas seus do Instituto Coreano de Tecnologia Industrial. Não vamos entrar nos detalhes das experiências que eles realizaram, porque senão nunca mais sairíamos daqui. Refiramos antes as conclusões a que eles chegaram, tomando em consideração a quantidade de calor produzida pelo funcionamento do cérebro humano, a condutividade térmica do cabelo, a capacidade de retenção deste calor pela melanina, quando houver, e a capacidade que o cabelo terá para eliminar o calor em excesso para o exterior, sob a forma de radiação infravermelha.

Os cientistas sul-coreanos referidos concluiram que o cabelo é um regulador de temperatura. No tempo frio, ele aquece a cabeça (coisa que toda a gente já sabe por experiência própria), mas no tempo quente o cabelo ajuda a refrescá-la, porque é muito eficaz na dissipação de raios infravermelhos. Como estes cientistas trabalham num instituto de tecnologia, eles estão agora a tentar desenvolver uma fibra têxtil que emule o comportamento térmico do cabelo, para que seja possível fabricar vestuário mais cómodo do que o atual, vestuário que aqueça no inverno e refresque no verão.

Comentários: 2

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Estou muito contente por ter ficado a saber que tenho, em abundância, um substituo para a minha disfuncionante tiróide. Embora já com muito pouca melanina, o que não me falta é cabelo: perto de um metro dele a correr-me em cascata até ao fundo das costas.

Um abraço, Fernando!

11 fevereiro, 2024 16:38  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Cara Maria João, desde que existe humanidade, as pessoas têm cabelo na cabeça, salvo no caso dos carecas, coitados. Foi só agora, milhares e milhares de anos depois do aparecimento do Homo Habilis, do Homo Erectus, do Homo Floresiensis e mais não sei de que outro Homo, que se descobriu que o cabelo ajuda a refrescar a cabeça, e não é só por evitar que se apanhe sol diretamente na moleirinha! É claro que no verão um cabelo comprido pelas costas abaixo é capaz de fazer calor nas costas. No entanto, o uso de um cabelo curto, mas não rapado, deve ser a melhor maneira de suportar o tempo quente. Um abraço

17 fevereiro, 2024 03:01  

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