As propriedades térmicas do cabelo
Certamente ninguém duvida de que o cérebro é o órgão mais importante do ser humano. É ele que controla quase tudo o que diz respeito ao funcionamento do organismo e à interação deste com o mundo que o rodeia, auxiliado pelo cerebelo. Só os movimentos reflexos escapam ao controle do cérebro e do cerebelo. A importância do cérebro é tal que, apesar de só corresponder a 2% da massa corporal, ele consome cerca de 20% de toda a energia do organismo, que lhe é fornecida através da alimentação.
Disse o químico francês Lavoisier: «Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma». Esta afirmação também é verdadeira para o consumo de energia. Quando uma dada quantidade de energia é consumida, onde quer que seja, ela não desaparece; apenas se converte noutra forma de energia, sobretudo calor. Assim, quando o cérebro consome energia para funcionar, ele aquece, e aquece tanto, que a sua temperatura pode chegar a ser superior em mais de 2 o C relativamente à do resto do organismo, que é, como se sabe, de perto de 37 o C. Todo este calor gerado no cérebro precisa de ser escoado, para que não haja um sobreaquecimento.
Uma das formas de escoar o calor gerado pelo funcionamento do cérebro pode consistir na irradiação térmica através de um crânio glabro. Em tempo frio, esta forma de escoar o calor é realmente eficaz, e até será demais, se o frio for intenso. Mas se uma cabeça nua estiver ao sol num dia de verão, como é que o calor poderá ser escoado?
Relativamente às restantes espécies de mamíferos, a Natureza reduziu consideravelmente a pilosidade de quase toda a superfície corporal da espécie Homo Sapiens, que ficou com quase toda a sua epiderme a descoberto. Uma das exceções a esta escassa pilosidade é a cabeça da maior parte dos indivíduos, que conserva uma pilosidade abundante, que é o cabelo. Que a existência de cabelo constitui uma vantagem no tempo frio, parece evidente. O que não se sabia, mas se descobriu agora, é que o cabelo também pode ajudar a arrefecer a cabeça no tempo quente, e não é só por funcionar como uma espécie de chapéu, contra a incidência dos raios solares diretos.
Todos os fios de cabelo têm a mesma textura, independentemente de possuirem mais ou menos pigmentos, de serem mais finos ou mais grossos ou de a sua secção ser circular ou elíptica. Seja liso, encaracolado ou crespo, todo o fio de cabelo é composto por três partes fundamentais: uma medula, no seu centro, rodeada por um córtex, que lhe confere resistência mecânica, e uma capa exterior de células achatadas, em camadas semelhantes a telhas, chamada cutícula. A cutícula é atravessada por pequeninos poros, que têm um diâmetro tal que favorece a passagem de radiação infravermelha em ambos os sentidos.
A parte mais espessa do fio de cabelo é o córtex. É nele que se encontra a melanina, entre outros compostos químicos, assim como pequenas bolsas de ar. Além de dar cor ao cabelo e à pele, a melanina é um pigmento escuro que absorve as radiações eletromagnéticas que vão desde as radiações ultravioletas até às infravermelhas. No caso da melanina presente no cabelo, a radiação que mais importa estudar é a dos raios infravermelhos que veiculam o calor.
Este não é o momento para se falar do princípio da radiação do corpo negro, a não ser para se dizer que é este o princípio que nos permite associar a energia térmica à radiação infravermelha, na gama de temperaturas que permitem a existência de vida na Terra. É com base neste princípio, por exemplo, que funcionam as câmaras de visão noturna, que mesmo na mais completa escuridão são capazes de nos dar a ver uma cena, como se houvesse luz visível. Os corpos e objetos a diferentes temperaturas emitem radiações infravermelhas e os sensores das câmaras de visão noturna recebem e convertem estas radiações em luz visível, para que possamos visualizar a cena.
Se quisermos analisar o comportamento do cabelo no que diz respeito à absorção ou à dissipação de calor, deveremos então estudar este comportamento relativamente às correspondentes radiações infravermelhas. Foi isto o que fizeram o cientista sul‑coreano de materiais Gunwoo Kim e alguns colegas seus do Instituto Coreano de Tecnologia Industrial. Não vamos entrar nos detalhes das experiências que eles realizaram, porque senão nunca mais sairíamos daqui. Refiramos antes as conclusões a que eles chegaram, tomando em consideração a quantidade de calor produzida pelo funcionamento do cérebro humano, a condutividade térmica do cabelo, a capacidade de retenção deste calor pela melanina, quando houver, e a capacidade que o cabelo terá para eliminar o calor em excesso para o exterior, sob a forma de radiação infravermelha.
Os cientistas sul-coreanos referidos concluiram que o cabelo é um regulador de temperatura. No tempo frio, ele aquece a cabeça (coisa que toda a gente já sabe por experiência própria), mas no tempo quente o cabelo ajuda a refrescá-la, porque é muito eficaz na dissipação de raios infravermelhos. Como estes cientistas trabalham num instituto de tecnologia, eles estão agora a tentar desenvolver uma fibra têxtil que emule o comportamento térmico do cabelo, para que seja possível fabricar vestuário mais cómodo do que o atual, vestuário que aqueça no inverno e refresque no verão.
Comentários: 2
Estou muito contente por ter ficado a saber que tenho, em abundância, um substituo para a minha disfuncionante tiróide. Embora já com muito pouca melanina, o que não me falta é cabelo: perto de um metro dele a correr-me em cascata até ao fundo das costas.
Um abraço, Fernando!
Cara Maria João, desde que existe humanidade, as pessoas têm cabelo na cabeça, salvo no caso dos carecas, coitados. Foi só agora, milhares e milhares de anos depois do aparecimento do Homo Habilis, do Homo Erectus, do Homo Floresiensis e mais não sei de que outro Homo, que se descobriu que o cabelo ajuda a refrescar a cabeça, e não é só por evitar que se apanhe sol diretamente na moleirinha! É claro que no verão um cabelo comprido pelas costas abaixo é capaz de fazer calor nas costas. No entanto, o uso de um cabelo curto, mas não rapado, deve ser a melhor maneira de suportar o tempo quente. Um abraço
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