Guerra
Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.
Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.
Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.
Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já não pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…
Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.
E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando, apenas, sobre fotografias,
— tudo é um natural armar e desarmar de andaimes
entre tempos vagarosos,
sonhando arquiteturas.
Cecília Meireles (1901–1964), poetisa brasileira
Aleppo, Síria, 3 de outubro de 2012 (Foto: Manu Brabo) |
Comentários: 3
o europeu, confortável na sua casa, não quer verdadeiramente saber.
Triste. Nunca senti essa dor. Sou egoísta, sim! Tenho horror à menor possibilidade de a sentir. Mas consigo, na minha mesquinhez profunda, imaginar milésima proporção do que este pai - e tantas mães - sentiram, estão a sentir. Perdas dolorosas, numa guerra tão idiota e desumana...quanto tem sido o Homem.
Cara "flor", obrigado pela sua visita. O europeu não quer saber, nem mesmo quando lhe batem à porta, desesperadas, as vítimas das guerras que ele mesmo ajuda a alimentar.
Cara "Chama a Mamãe!", todas as guerra são idiotas e desumanas. São fruto da ambição desmedida de poder e de riqueza. Obrigado pelo seu comentário, também.
Enviar um comentário