O lobo humano
A cada instante aos meus ouvidos
Chega um lamento, um grito, um ai!
Coro dantesco de gemidos,
Detonações, brados perdidos
E o baque surdo de quem cai…
Soluços, bocas às dentadas
Numa feroz agitação…
Blasfémias, uivos, gargalhadas,
Imprecações e derrocadas
No ronco torvo dum tufão!
É o velho mundo a desfazer-se
E a raça humana que o desfaz!
O Egoísmo em fúria a contorcer-se,
Todo a espumar e a remorder-se,
Guinando aos pulos para trás!
Trava-se a luta, braço a braço,
E não há trégua nem perdão!
O sangue espirra a cada passo,
Os corvos cruzam todo o espaço
E o fogo lambe a escuridão…
Numa alcateia, foragidos
Os lobos olham com pavor:
— É o Lobo humano!… — E, comovidos,
Vão para as furnas escondidos
Lamber os filhos com amor…
João Saraiva (1866–1948)
(Foto de autor desconhecido)
Comentários: 2
Foi com profunda comoção que li este poema que até hoje desconhecia...
Obrigada por mo dar a conhecer, Fernando!
Um abraço!
Este é mais um poema do meu bisavô João Saraiva, que foi avô paterno da minha mãe. Ele refere-se à 1.ª Guerra Mundial e é o último poema de um livro chamado "Líricas e Sátiras", publicado em 1916 pela Renascença Portuguesa no Porto. Este poema destoa completamente do resto do livro, pois não é lírico nem satírico, e, como é o último poema, dá a impressão de ter sido acrescentado à última hora, quando o livro já devia estar pronto para ir para o prelo. Na minha opinião, ele é, inquestionavelmente, o melhor poema de todo o livro.
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