04 abril 2007

Palheiros

Um palheiro em estado lastimável na cidade de Esmoriz, concelho de Ovar (Foto: Taxonomista)

Dá-se o nome de palheiro a uma casa de madeira tradicional portuguesa que é construída sobre estacas. As estacas tanto podem ser de madeira como podem ser pilares de pedra. Os palheiros mais recentes até já chegaram a ser erguidos sobre pilares de cimento. Apesar do nome, estes palheiros não servem para guardar palha, mas sim para habitação.

Os palheiros foram um tipo de edificação típica da Ria de Aveiro, onde o terreno arenoso e alagadiço não permitia que se construissem casas assentes no solo. As construções palafíticas possibilitavam que as águas da ria pudessem subir, inundando o terreno, sem que atingissem a habitação propriamente dita. Permitiam também que a areia, arrastada pelo vento, passasse livremente por baixo das casas, sem que se acumulasse de encontro às suas paredes.

Os pescadores da região da Ria, sobretudo os que eram oriundos da zona de Ovar (os vareiros e as varinas) e de Ílhavo, ergueram construções deste tipo em muitas praias situadas ao longo da costa continental portuguesa. Nelas habitavam durante alguns meses por ano, tempo durante o qual se entregavam à faina piscatória e vendiam o pescado nas povoações mais próximas.

Alguns destes pescadores deslocados acabaram por ficar a residir permanentemente em algumas destas praias, dando origem a novas povoações. Foi com palheiros habitados por pescadores que nasceram várias localidades costeiras, como Espinho e a Costa de Caparica.

Quando eram apenas habitações temporárias, os palheiros pouco mais eram do que casebres. Mas quando se tornavam habitações permanentes, eles já tomavam o aspecto de casas de madeira bem construídas. Sempre sobre estacas, bem entendido.

Este talvez seja o único palheiro em todo o país que foi restaurado no mais estrito respeito pela traça original (Foto: Taxonomista)

Actualmente, contam-se pelos dedos os palheiros que ainda conservam intactas as suas características originais. Infelizmente, estão quase todos em muito mau estado. Em Esmoriz e nas suas imediações, por exemplo, encontram-se três ou quatro palheiros que ainda apresentam a sua traça de origem. Dois deles ilustram este artigo e é provável que ainda exista mais um ou mesmo dois.

De resto, quase todos os palheiros que existiam ao longo da costa foram sendo deixados ao abandono e à ruína total, excepto alguns que foram progressivamente convertidos em casas de aspecto convencional. Em muitas destas casas, até a madeira original acabou por ser substituída por tijolo e cimento.

Muitos dos palheiros reconvertidos não merecem o mínimo interesse, mas há um caso em que eles acabaram por se tornar verdadeiras atracções turísticas. É o que acontece com os antigos palheiros da Costa Nova (de seu nome completo Costa Nova do Prado), no concelho de Ílhavo, que apresentam riscas pintadas de cores vivas produzindo um belo efeito e de que mostro três exemplares na fotografia reproduzida em baixo.

Antigos palheiros na Costa Nova, concelho de Ílhavo (Foto: Vasco Sequeiros)

Comentários: 7

Blogger Igor Lobão escreveu...

Excelente post e excelente blog. Espero que continue com o bom trabalho.

05 abril, 2007 12:45  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Muito obrigado pelas suas palavras, Igor Lobão. Procuro fazer o melhor que posso.

Boa Páscoa para si e para os seus

06 abril, 2007 15:24  
Blogger dnl escreveu...

Quero felicitá-lo pelo blog, mas especialmente por este post. É verdade quando diz que poucos palheiros restam na sua traça original. Foram em tempos uma das razões de interesse para o turismo (séc. XIX). No entanto a melhoria das vias de comunicação, novos materiais e interesses imobiliários preversos associados ao turismo acabaram por desvirtuar as razões que motivaram os primeiros turistas: a praia e toda uma cultura ligada à arte xávega (pesca por arrasto). O palheiro de momento é apenas a memória de um passado cultural rico, mas uma memória que tende a ser esquecida.

Estudo arquitectura no Porto. De momento encontro-me a fazer a prova final sobre este assunto. Se me puder facultar informações úteis a respeito dos Palheiros, assim como a possibilidade de aceder a alguns agradecia imenso.

Contitue o bom trabalho e cumprimentos

06 abril, 2007 16:08  
Blogger Ticha escreveu...

Eu sinto-me uma previligiada! Vivo a poucos quilometros desta belíssima praia. A minha preferida, uma vez que as prais vizinhas (Barra e Vagueira) estão demasiado adulteradas pelos tais "interesses" imobiliários! Infelizmente, não em só em Portugal, mas aqui acontece com demasiada frequência, dá-se prioridades ao que for imediatamente mais lucrativo!
Um bem haja e obrigado pela atenção que disponibiliza aos promenores!

Páscoa Feliz :)*

06 abril, 2007 21:45  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Prezado Daniel, eu não disponho de informações sobre palheiros que lhe possa facultar. Lamento imenso. Não fiz pesquisa nenhuma na Net para escrever este artigo, a não ser por imagens de palheiros. Livros sobre o assunto também não tenho. Escrevi apenas o que me foi ficando na memória, do que fui vendo e lendo ao longo da vida. Tudo o que sei a respeito destas construções tradicionais está exposto neste artigo. Não sei mais. Mais uma vez lamento não poder satisfazer-lhe o pedido. Um abraço e desejos de muitos êxitos no seu curso e na sua vida futura.

Prezada Hertista, partilho a sua opinião. O que se está a fazer actualmente na Praia da Vagueira, assim como o que se fez e o muito que se quer ainda fazer na Praia da Barra, é deveras preocupante. Em Portugal, a ganância dos que têm dinheiro manda mais do que as forças da Natureza. Tome-se o exemplo das torres da Praia de Ofir, no concelho de Esposende, que tiveram que ser abandonadas pelos seus moradores, porque o mar chegava literalmente à porta dos prédios! Primeiro, os "interesses" imobiliários constroem onde lhes dá na real gana, corrompendo tudo e todos; depois, somos nós todos que temos que pagar as asneiras que eles fazem. Desejos de uma boa Páscoa.

07 abril, 2007 16:20  
Blogger Unknown escreveu...

Era eu miudo e haviam varios em Esmoriz...cheguei a viver num era fresco no verao no seu interior!!...e no inverno agradavel....seguramente técnicas dos nordicos vikings que ali se instalaram aquando das invasoes ..e suas mulheres guerreiras .

09 setembro, 2018 22:25  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Caro/a Unknown,

Nunca me passou pela cabeça associar os palheiros aos vikings, mas... quem sabe?

É um facto historicamente documentado que os normandos (vikings fixados na Normandia, assim como na Inglaterra) "visitaram" muito a nossa costa, mais ou menos entre os sécs. IX e XI. Os nossos livros de História de Portugal pouco ou nada se referem ao assunto, não sei porquê, mas a verdade é que as nossas cidades costeiras, como o Porto (Portucale), Lisboa (al-Ushbûna) e outras, eram alvo frequente de ataques dos normandos, os quais também entravam pelos rios acima, indo atacar localidades ribeirinhas situadas um pouco mais para o interior. O próprio castelo de Guimarães, creio que no tempo da condessa Mumadona Dias, chegou a estar cercado pelos vikings que, não conseguindo tomar o castelo, acabaram por retirar.

Naqueles conturbados tempos, é provável que alguns normandos (muitos? poucos?) tenham acabado por se fixar por cá, atraídos pelo clima e pela fertilidade das terras, à semelhança do que eles fizeram, aliás, na Sicília e sul de Itália, onde fundaram um reino próprio. Sendo certo que os vikings andaram por aqui, alguma coisa haveriam de deixar: costumes, hábitos, tradições e até, certamente, uns quantos genes.

10 setembro, 2018 00:39  

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