20 maio 2015

O Último Quarup

Coroamento do toro de madeira que simbolizou o falecido indigenista brasileiro Orlando Villas Bôas, durante o kwarup (conjunto de cerimónias feitas em honra dos mortos) que perto de três mil índios fizeram em sua homenagem na aldeia Yawalapiti, Parque Indígena do Xingu, Brasil, no ano 2003, durante uma semana. Foi o maior kwarup de que há memória no Xingu e o último que se realizou em homenagem a um branco. O toro, que esteve cravado verticalmente no solo da aldeia durante as cerimónias, foi ornamentado com os adornos tradicionais masculinos que se veem na fotografia: um cocar de penas, um colar de caramujos e um cinto de missangas. Mais abaixo, fora do campo de visão da imagem, um setor do toro foi descascado e pintado com desenhos geométricos idênticos aos desenhos corporais que se veem na fotografia seguinte (Foto: Renato Soares)



(Foto: Renato Soares, por ocasião do kwarup realizado em homenagem ao indigenista brasileiro Orlando Villas Bôas, na aldeia Yawalapiti, Parque Indígena do Xingu, Brasil, no ano 2003)


Quarup para as etnias do Alto Xingu é uma festa em homenagem aos mortos. É a celebração de passagem onde o espírito do homem vai habitar a aldeia dos mortos. Um toro de madeira da árvore “Mari” é cortado e tem a base enterrada no pátio da aldeia. Os homens se juntam ao redor para entalhar e pintar suas formas. Depois ele é adornado com o “Tucanapi”, um cocar de penas de tucano, arara, japim e as penas sagradas do Gavião Real. Também amarram em sua volta abraçadeiras coloridas e o colar de caramujo Muirapeí decoram seu pescoço. Neste momento, o espírito do homenageado ganha direito a uma nova vida nas formas do Quarup. O homem já esta presente para o cerimonial!

Nestes dias que antecedem ao Quarup, a aldeia ganha um novo ritmo. Pode-se escutar por horas a fio o som das flautas Uruá, que ecoa para nós dizendo o que está para acontecer. As cores também fazem parte deste cerimonial. O vermelho do urucum, o negro azulado do jenipapo e o branco retirado do barro de tabatinga se imprimem aos corpos dos homens. Um a um vão se apresentando ao kuarup para celebrarem sua volta. Em um grande cordão cantam e dançam num passo ritmado. Logo todos os convidados estarão presentes para a luta de Huka-huka.

“Huka-huka!”, “Huka-huka!” gritam os lutadores em um som gutural, imitando Djauarum, a onça preta. Frente a frente giram e se provocam mutuamente e no momento exato se atacam. A luta é o encerramento da homenagem, logo o toro será lançado nas águas do rio Tuatuari para de lá caminhar para o Ivati, sua nova morada: o Céu dos Xinguanos.

Em 1998 foi realizado o Kuarup em homenagem a Cláudio Villas Bôas.

Orlando, seu irmão, trouxe para São Paulo o toro de Cláudio, pois queria estar mais tempo a seu lado. Quatro anos depois, com o falecimento de Orlando, Marina Villas Bôas, esposa do sertanista, achou por bem que os dois irmãos pudessem partir para a nova morada, unidos como sempre estiveram. Coube ao fotógrafo Renato Soares montar uma expedição para levar de volta ao Xingu, “Tio Cláudio”, como foi carinhosamente chamado o toro pela equipe. Hoje, no fundo das águas do Tuatuari descansam juntos e em paz os três irmãos Orlando, Cláudio e Leonardo Villas Bôas.

Renato Soares, fotógrafo brasileiro


NOTA: Renato Soares, que é um fotógrafo profissional, propõe-se levar a cabo a tarefa de documentar em imagens, de forma sistemática, a diversidade cultural dos mais de 300 povos indígenas do Brasil. Para poder concretizar este ambicioso projeto, Renato Soares solicita a participação material do público. Para tal, abriu uma página no Facebook onde é possível saber as formas de o fazer. A página tem por título Ameríndios do Brasil e o seu endereço é https://www.facebook.com/groups/amerindiosdobrasil/.


(Foto: Renato Soares, por ocasião do kwarup realizado em homenagem ao indigenista brasileiro Orlando Villas Bôas, na aldeia Yawalapiti, Parque Indígena do Xingu, Brasil, no ano 2003)

Comentários: 2

Blogger Chama a Mamãe! escreveu...

Maravilhoso.Obrigada!

21 maio, 2015 21:20  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

De nada.

22 maio, 2015 02:16  

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