09 setembro 2020

O aprendiz do mago


(Foto de autor desconhecido)


Um homem de grandes artes tinha na sua companhia um sobrinho, que lhe guardava a casa quando ele saía. De uma vez deu-lhe duas chaves, e disse:

— Estas chaves são daquelas duas portas; não mas abras por cousa nenhuma do mundo, senão morres.

O rapaz assim que se viu só, não se lembrou mais da ameaça e abriu uma das portas. Apenas viu um campo escuro e um lobo que vinha correndo para arremeter com ele. Fechou a porta a toda a pressa, passado de medo. Daí a pouco chegou o Mago:

— Desgraçado! Para que me abriste aquela porta, tendo-te avisado que perderias a vida?

O rapaz tais choros fez que o Mago lhe perdoou. De outra vez saiu o tio, e fez-lhe a mesma recomendação. Não ia muito longe, quando o sobrinho deu volta à chave da outra porta, e apenas viu uma campina com um cavalo branco a pastar. Nisto lembrou-se da ameaça do tio, e já o sentiu subir pela escada, e começou a gritar.

— Ai que agora é que estou perdido!

O cavalo branco falou-lhe:

— Apanha desse chão um ramo, uma pedra e um punhado de areia, e monta já quanto antes em mim.

Palavras não eram ditas, o Mago abria a porta da casa; o rapaz salta para cima do cavalo branco e grita:

— Foge, que aí chega meu tio para me matar.

O cavalo branco correu pelos ares fora, mas ia já muito longe, e o rapaz torna a gritar:

— Corre, que meu tio já me apanha para me matar.

O cavalo branco correu mais, e quando o Mago estava quase a apanhá-los, disse para o rapaz:

— Deita fora o ramo.

Fez-se logo ali uma floresta muito fechada, e enquanto o Mago abria caminho por ela, puseram-se muito longe. Mas o rapaz tornou outra vez a gritar:

— Corre, que já aí está meu tio que me vai matar.

Disse o cavalo branco:

— Bota fora a pedra.

Logo ali se levantou uma grande serra cheia de penedias, que o Mago teve de subir, enquanto eles avançavam caminho. Mais adiante grita mais o rapaz:

— Corre, que meu tio agarra-nos.

— Pois atira ao vento o punhado de areia, disse-lhe o cavalo branco.

Apareceu logo ali um mar sem fim, que o Mago não pôde atravessar. Foram dar a uma terra onde se estavam fazendo muitos prantos. O cavalo branco ali largou o rapaz, e disse-lhe que quando se visse em grandes trabalhos que chamasse por ele, mas que nunca dissesse como viera ter ali. O rapaz foi andando e perguntou porque eram aqueles grandes prantos.

— É porque a filha do rei foi roubada por um gigante, que vive em uma ilha onde ninguém pode chegar.

— Pois eu era capaz de ir lá.

Foram dizê-lo ao rei, e o rei obrigou-o com pena de morte a cumprir o que dissera. O rapaz valeu-se do cavalo branco, e conseguiu ir à ilha e trazer de lá a princesa, porque apanhou o gigante dormindo.

A princesa assim que chegou ao palácio não parava de chorar. Perguntou-lhe o rei:

— Porque choras tanto, minha filha?

— Choro, porque perdi o meu anel que me tinha dado a fada minha madrinha, e enquanto o não tornar a achar, estou sujeita a ser roubada outra vez ou ficar para sempre encantada.

O rei mandou lançar um pregão em como dava a mão da princesa a quem achasse o anel que ela tinha perdido. O rapaz chamou o cavalo branco, que lhe trouxe do fundo do mar o anel, e o rei não lhe queria já dar a mão da princesa. Mas ela é que disse que casaria com ele para que se dissesse sempre — que palavra de rei não torna atrás.


Conto popular recolhido em Eixo, Aveiro. Contos Tradicionais do Povo Português, por Teófilo Braga (1843-1924)

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