21 junho 2022

Ao vento de verão


Im Sommerwind, de Anton Webern (1883–1945), pela Orquestra Sinfónica da Radiodifusão da Baviera, dirigida por Bernard Haitink

Há dias, ouvi pela primeira vez esta peça numa emissão online de uma rádio do estado norte-americano de Oregon, chamada KWAX. O locutor anunciou então que esta obra era de Anton Webern.

«Impossível! Não pode ser! Anton Webern não pode ter composto música assim, pois ele foi um dos mais destacados membros da Segunda Escola de Viena, que era completamente atonal», pensei. «O locutor deve ter-se enganado. Se calhar esta obra é de Weber e não de Webern. O locutor deve ter pronunciado um N a mais no fim do nome».

Pois bem, esta peça é mesmo do compositor austríaco Anton Webern, e não do alemão Carl-Maria von Weber. É um belíssimo poema sinfónico, com uma sonoridade típica do Romantismo tardio, que Webern compôs em 1904, isto é, antes de ter surgido a revolução dodecafónica, que Arnold Schönberg veio a desencadear e à qual Anton Webern aderiu de alma e coração. Como se pode ouvir, nem tudo o que Webern compôs é dodecafónico.

Comentários: 4

Blogger Maria João Brito de Sousa escreveu...

Sou uma completa ignorante no que toca a música instrumental mas consigo distinguir, com a maior facilidade, um soneto dodecassilábico comum de um dodecassilábico alexandrino :) Menos mal, sempre vou conhecendo a musicalidade da palavra...

Um abraço!

21 junho, 2022 09:47  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Até ao séc. XX, toda a poesia europeia tinha rima. A cada verso correspondiam mais abaixo um ou mais versos que rimavam com ele.

A tonalidade na música desempenhava um papel de certo modo semelhante. Em cada peça musical havia uma nota dominante inicial (sol maior, ré menor, etc.), à qual a peça acabava sempre por regressar, mais tarde ou mais cedo, uma e mais vezes, até à apoteose final, chamada coda. Como se fosse uma rima.

A música atonal está para a música como a poesia sem rima está para a poesia. Na música atonal, todas as notas da escala cromática têm a mesma importância. Em vão procuraremos uma que seja dominante. Todas as sete notas principais, correspondentes às teclas brancas do piano, e todos os meios tons, correspondentes às teclas pretas, são igualmente dominantes. Como a escala musical tem doze tons e meios tons no total, uma tal peça musical é chamada dodecafónica. É uma obra que não obedece à regra da existência de um nota dominante, mas obedece a outras regras, que podem ser muito rigorosas. Este é o caso da música da Segunda Escola de Viena, nomeadamente. Ao longo do séc. XX assistiu-se a uma exploração das mais diversas possibilidades oferecidas pela atonalidade, incluindo a total ausência de regras.

22 junho, 2022 18:53  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Em aditamento ao meu anterior comentário, permito-me acrescentar o que se segue.

Quase toda a música que Anton Webern compôs foi atonal, mas antes de ele se lançar nesta sua aventura, ele compôs "Im Sommerwind", provando assim que ele também sabia compor música tonal, e da mais alta qualidade. Também Picasso sabia pintar quadros naturalistas de elevadíssimo nível, antes de fazer a revolução na pintura que se sabe. Um exemplo de música atonal que Webern compôs é o seguinte:

https://www.youtube.com/watch?v=BzYBLDyKvYo

Esta obra parece uma cacofonia mas, no entanto, é belíssima no meu entender, como belíssimas são muitas outras obras dodecafónicas de Schönberg, Alban Berg, etc. O que é preciso é abrir os nossos ouvidos, sem ideias preconcebidas, e deixar a música entrar sem limitações e deixá-la tocar diretamente a nossa sensibilidade.

O compositor Weber, sem N no fim, viveu cerca de cem anos de Webern, com N no fim. Qualquer semelhança entre a música de um e do outro é pura coincidência. Aqui vai a peça mais conhecida de Carl-Maria von Weber, sem N no fim, chamada "Convite à Dança":

https://www.youtube.com/watch?v=Vf0on9TKtB4

23 junho, 2022 02:56  
Blogger Fernando Ribeiro escreveu...

Correção:

Onde está «cem anos de Webern» deve ler-se «cem anos antes de Webern». Peço desculpa pela lacuna.

23 junho, 2022 03:02  

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