25 outubro 2024

A mulher-cobra


(Foto de autor desconhecido)

Era uma vez uma aldeia onde toda a gente vivia bem, tinham campos e hortas, criação de porcos e galinhas, vacas e outros animais, mas era gente muito agarrada, na dava nada a ninguém.

Um dia chegou lá uma pobre mulher, muito magrinha e muito esfarrapadinha, a pedir. Batia a uma porta, nada. Batia a outra, também nada. Até que chegou à casa mais rica e como na lhe dessem nada de comer pediu que ao menos lhe deixassem dormir no palheiro. Assim foi. Ficou a dormir no palheiro, de dia saía p’ró campo e à noite voltava. Ninguém sabia o que ela andava a fazer, mas começou a ficar mais gordinha.

Ora, ao mesmo tempo, nunca mais as galinhas punham ovos e começaram a desaparecer galinhas e pintos dos galinheiros e também bacorinhos dos chiqueiros, umas vezes num lado, outras vezes no outro. Não foi preciso mais nada para deitarem culpas à tal mulher.

Ela negava tudo, chorava e jurava que não era ela. Mas não acreditaram e puseram-na na rua. Foi-se embora, nunca mais ninguém a viu, mas os animais continuaram a desaparecer na mesma.

Então as pessoas começaram a guardar os animais dentro de casa e os mais ricos dentro dos armazéns. Mesmo de dentro do armazém desapareciam galinhas, pintos e patos todas as noites. Os donos revistaram tudo muito bem e descobriram um buraco não muito grande, escavado na porta do armazém. Lá muito de noite foram à porta e pregaram uma tábua a tapar o buraco.

No dia seguinte, quando abriram a porta, o que haviam de ver? Saltou-lhes uma grande cobra, muito gorda, com a barriga inchada, a acometer contra eles. Deram-lhe com um grande varapau e depois de muita pancada a cobra deu um grande grito e transformou-se na tal mulher. Disse-lhes que estava encantada e andava a correr o seu fadário, mas que eles tinham redobrado o tempo da sua pena e que havia de vingar-se. Aí, deu um grande salto e atirou-se contra eles com umas grandes garras estendidas, parecia uma fera. Os homens fugiram espavoridos.

Passado isto, quando as pessoas dali iam vender coisas ao mercado, se saíam de casa ainda de noite e sozinhas, às vezes apareciam mortas nos caminhos, estranguladas. Deitaram as culpas à mulher-cobra. O que é que haviam de fazer? Pensaram que era melhor deixarem coisas de comer no caminho à saída da terra, e assim foi. Deixavam o comer à noitinha e no dia seguinte, nada. Tinha desaparecido tudo. Nunca mais ninguém apareceu morto. Passou muito tempo, foram sete anos, até que um dia de manhãzinha viram na estrada a comida que lá tinham posto na véspera e ao lado a pele duma grande cobra, tão grande que metia pavor.

Então a mulher-cobra desapareceu de vez e nunca mais lá voltou. Bendito e louvado, o meu conto acabou.



Conto popular narrado por Maria Manuela do Serro Mateus, da Mexilhoeira Grande, Portimão, e recolhido por Margarida Tengarrinha (1928–2023)

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